A premissa é: se essa infraestrutura de blockchain pode ser
utilizada para oferecer moedas virtuais, por que ela não pode também ser usada
para oferecer todo o resto? Incluindo serviços de entrega de comida e
mobilidade, identidades digitais, serviços bancários, de mídia e assim por
diante.
Tudo sem um "centro", baseado em modelos de
distribuídos de confiança.
A web 3.0 tem um potencial gigantesco, inclusive de gerar uma
nova onda de disrupção para vários setores. No entanto, ela tem também a
capacidade de gerar problemas enormes, mais complexos do que os que enfrentamos
atualmente.
Essa é a divergência que tenho com a escritora
Shoshana Zuboff. Ela enfatiza no seu livro "A Era do Capitalismo de Vigilância" os
problemas que a centralização da internet nas mãos das big techs trazem. No entanto, o ponto cego é
justamente os problemas que um movimento contrário de descentralização da
internet pode trazer.
O mundo em que estamos é complexo. Vamos ter de
enfrentar as implicações sociais tanto da centralização quando da
descentralização, simultaneamente.
Já o desafio do momento é a questão da
cibersegurança. O ataque ao Ministério da Saúde e a outras
redes governamentais foram uma amostra do que pode acontecer no próximo ano.
Ataques digitais tornaram-se ferramenta
política. Como sua autoria é praticamente impossível de ser estabelecida, podem
facilmente ser usados para manipulação, causando campanhas de medo, incerteza e
dúvida, e fazendo avançar agendas políticas tortas.
Nesse campo chama a atenção o fato de que o governo
federal estar, desde 2019, reformando a moldura institucional da cibersegurança
no país.
A principal mudança é concentrar poderes nas mãos
do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. O órgão tornou-se desde 2019 o
coordenador efetivo e central de toda a política de cibersegurança do país. Os
eventos das últimas semanas, em que as plataformas digitais do Ministério da
Saúde ficaram foram do ar por mais de 13
dias, conjugados com ataques em infraestruturas críticas como da Polícia Federal, mostram que essa mudança
falhou.
É princípio elementar que não se deve chamar poder
para si se não se sabe o que fazer com ele. Em outras palavras, não se ergue um
sabre em punho sem saber manuseá-lo.
Infelizmente a política de cibersegurança no Brasil
falhou e seu arcabouço institucional precisa ser de novo reformado. A não ser
que seja conveniente politicamente que o vexame dos últimos dias continue
a se repetir nos próximos meses. Veremos. Feliz 2022!
RONALDO LEMOS - Advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro