O estado de falta de motivação causado pelo acúmulo de adenosina
afeta a nós todos, todos os dias.
Todo
dia, lá pelo fim do dia, ela chega. Você senta para ver televisão e, quando os
comerciais interrompem seu programa favorito, você nota que o controle remoto
ficou lááá longe --e decide que esperar alguns minutinhos até o programa voltar
não será tão ruim assim. Então bate a sede, mas você avalia mentalmente a
distância até a geladeira --e decide que não está com tanta sede assim. Ao
menos, nada que faça o esforço valer a pena.
Essa
é a preguiça, nome comum para um estado cerebral que afeta a nós todos, todos
os dias, quase que com hora marcada: o estado de falta de motivação causado
pelo acúmulo de adenosina no seu sistema de recompensa como resultado das
várias horas passadas no estado acordado.
Um
dos efeitos da adenosina é bloquear a ação da dopamina, substância que, no
sistema de recompensa, leva à ativação do estriado ventral. Esta, por sua vez,
dá aquele surto de prazer que, quando produzido logo após algo bem feito, serve
como recompensa --e, quando obtido só de pensar em fazer alguma coisa, e logo
antes de fazê-la, serve como uma cenoura na ponta da varinha e empurra seu
cérebro à ação.
O
sistema de recompensa, contudo, funciona em paralelo com outro sistema,
centrado no córtex cingulado anterior, que avalia custos: o esforço de se
mexer. Se você sai do sofá ou não depende de quem fala mais alto e ganha a
disputa --seu cingulado anterior ou o estriado ventral. E com o estriado
ventral encharcado de adenosina, dá para imaginar que a sede terá que ser muito
grande, e o comercial, muito ruim para fazer você sair do sofá.
Como
a adenosina que se acumula é um subproduto natural do funcionamento de
neurônios e outras células no cérebro, não há jeito: a preguiça certamente
baterá no final do dia. O que é bom, pois assim você sossega e tem mais chances
de adormecer. Por isso, também, jogar videogames altamente motivadores à noite
(ou ler aquele livro de suspense com uma reviravolta a cada página) é uma
péssima ideia: não há adenosina que chegue para neutralizar a ação de tanta
dopamina.
Mas
nem toda relutância em se mexer é por preguiça. Estou de férias onde, se
quiser, posso ficar o dia todo lendo na rede. Aí a competição é outra: entre o
prazer de continuar na rede e o novo candidato a próxima atividade. Geralmente
só ganham a cozinha e o banheiro, ou um joguinho de cartas...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista,
professora da UFRJ, e apresentadora do programa Cerebrando (cerebrando.net).
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com