Suspeito sendo interrogado pela polícia –
Mesmo
nos casos em que já não há novidade por descobrir, o saber etimológico mantém
seu encanto naquilo em que se assemelha à poesia: a capacidade de produzir no
espírito do leitor centelhas de associações surpreendentes e reveladoras entre
palavras, ideias e sensações, iluminando o mundo sob novos ângulos. Não é outro
o segredo de sua popularidade.
O
caso de “suspeito”, uma das palavras do momento no Brasil, ilustra bem essa
capacidade. Existente em português desde o século 13, trata-se de um termo cuja
história está acima de qualquer suspeita. Deriva do latim “suspectus”, adjetivo
definido no velho dicionário Saraiva como “de que se desconfia; perigoso,
arriscado; odiado, aborrecido”.
Até
aí, nenhuma surpresa. A acepção dominante de suspeito em português, “sobre quem
recaem grandes possibilidades de ser o autor, o culpado de algo” (Houaiss), é
basicamente a mesma que o termo latino gerou em outras línguas românicas e até,
pela via do francês, no inglês “suspect”.
A
centelha produzida pela etimologia vem do fato de a palavra-mãe ter entre suas
acepções uma que não chegou até nós e que destoa das outras —mais do que isso,
contradiz tudo de negativo que o vocábulo original carrega. “Suspectus” é
também o que desperta admiração.
Oi?
O que pode haver de admirável em estar sob suspeição, em ser tratado com
desconfiança? Não se trata disso. Para chegar a um entendimento satisfatório da
questão é preciso recorrer ao verbo “suspicere”, do qual “suspectus” é
particípio.
Na
origem, o verbo queria dizer “olhar para cima”, tendo em sua composição o
elemento “spec” (olhar com atenção, contemplar), que está presente também no
código genético do espelho, do espião e do espectador.
Em
outras palavras: em seu berço latino, “suspectus” é aquele que mantemos sempre
em nosso campo de visão. Seja porque ele nos desperta admiração, e nesse caso
se converte em ímã de olhares embevecidos, seja porque não merece confiança e
com ele devemos estar em guarda. De uma forma ou de outra, é preciso ter os
olhos bem abertos.
Sérgio Rodrigues - escritor e jornalista, autor de “O Drible” e “Viva a
Língua Brasileira”.
Fonte: coluna jornal FSP