Está havendo uma mudança na forma como a informação circula e nos meios
usados para isso.
A internet está mudando, de novo.
Para entender o que se passa é só seguir os sinais.
Na semana passada ocorreu
o vazamento de documentos confidenciais do
governo dos EUA relacionados à guerra na Ucrânia
contendo informações estratégicas.
Se fosse há alguns anos esses documentos
teriam sido vazados no WikiLeaks ou por alguém como Edward Snowden, em parceria com veículos de
mídia.
No entanto, o mundo em que
estamos vivendo hoje é mais estranho.
Os documentos foram vazados em um grupo
da plataforma Discord dedicado ao videogame Minecraft, popular entre crianças e
adolescentes.
Logo depois foram republicados em fóruns anônimos, no Telegram e por fim no Twitter.
O autor dos vazamentos, um
militar da Força Aérea de 21 anos, não realizou o ato por patriotismo nem por
inclinações políticas.
Ele queria apenas se exibir para os demais membros. Ele
já havia ficado irritado que suas mensagens não estavam tendo repercussão.
Chegou a ameaçar parar de
interagir com o grupo. Em vez disso, achou que postar documentos confidenciais
geraria o "engajamento" que buscava.
Gerou na verdade uma possível
sentença de 20 anos de prisão por violar a Lei de Espionagem dos EUA.
A dinâmica desse caso é
reveladora. Está havendo uma mudança na forma como a informação circula e nos
meios usados para isso.
Estamos de novo vivendo na prática um momento em que a
profecia de McLuhan está se concretizando a olhos vistos. Quando os meios
mudam, a mensagem muda e a sociedade também.
E há pelo menos duas mudanças em
curso. A primeira é que o subterrâneo da rede nunca esteve tão acessível.
Os
fóruns anônimos, a "deep web", os territórios de vale-tudo em que
conteúdos ilícitos são aceitos e incentivados (incluindo violência e pedofilia)
nunca estiveram tão escancarados.
Postagens originárias desses
lugares afloram hoje por meio do Discord, de grupos no Telegram e Whatsapp, e
cada vez mais, no Twitter, que abandonou os esforços de moderação mínima.
O que antes era visível
somente entre grupos pequenos, hoje alcança milhões de pessoas.
O segundo ponto é que o modelo de comunicação mais aberta,
simbolizado pelo "feed" e por plataformas buscáveis, começa a perder
espaço para comunidades e plataformas fechadas, sem indexação e sem mecanismos
institucionais de moderação mínima de conteúdos ilícitos.
Esses grupos fechados
facilmente se desconectam de estruturas sociais mais amplas e criam dinâmicas
próprias, muitas vezes violentas.
Como bem aponta o professor Christer Mattson da Universidade de
Gotenburg, que estuda processos de radicalização, o caminho para se tornar um
radical envolve incentivos e acolhimento por outras pessoas.
Muitas vezes esse
acolhimento é encontrado em grupos fechados e fóruns anônimos na internet.
Em
busca de notoriedade e "engajamento", a pessoa imersa nesses
contextos torna-se capaz de vazar documentos ou cometer atos de violência.
Como diz McLuhan, a mensagem de qualquer tecnologia é o que ela
faz com as pessoas. Isso inclui ampliar nossa capacidade de comunicação ou,
junto com ela, nossos defeitos.
RONALDO LEMOS -advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro.