É assim, com linguagem acessível, que o físico faz
uma tentativa de explicar a teoria dos quanta e mostrar a importância
que ela tem para entender toda a realidade do Universo.
Essa linha de pensamento "sugere
novos caminhos para repensar grandes questões, da estrutura da realidade à
natureza das experiências, da metafísica até, talvez, a natureza da
consciência", afirma.
A teoria também propõe uma nova forma de entender
as minúsculas partículas que formam o Universo e principalmente as interações
que acontecem entre elas.
Rovelli explica que, em 1925, o jovem físico Werner
Heisenberg (1901-1976) se concentrou em observar o movimento que elétrons fazem
de um átomo para outro.
Com isso, lançou uma das principais bases da teoria dos
quanta: seria necessário se limitar ao que era estritamente observável das
interações entre as partículas para entender o Universo.
Daí surge um grande problema, já que essas
interações e as observações que temos delas não são totalmente previsíveis.
Schrödinger, o do gato, outro físico muito importante para a teoria quântica,
chegou à conclusão de que é possível somente ter probabilidades de como as
interações podem acontecer. Para ele, nunca seria possível ter toda certeza
sobre o desenrolar das interações.
O foco principal da teoria dos quanta seria, então,
essas interações e não os objetos.
"A física nos diz que a base do mundo não é
uma lista de objetos com propriedades definidas. Acho que devemos desistir de
encontrar de uma vez por todas a imagem ‘fundamental’ da realidade.
A realidade
é complexa, admite muitas perspectivas relacionadas, mas diferentes. Perguntar
por sua ‘base’ pode ser simplesmente uma pergunta errada".
Assim, a partir da teoria quântica, novas hipóteses
para explicar o Universo surgiram. Uma delas é a teoria dos muitos mundos.
Ela
afirma que uma infinidade de mundos existem por
causa das inúmeras possibilidades de relações entre os elementos que compõem a
realidade.
Nesse caso, uma sobreposição quântica não indica
somente uma probabilidade de uma ou outra coisa acontecer —essa possibilidade
de diferentes caminhos já é a realidade por si só e indica a existência de
diferentes mundos.
Para explicar melhor, Rovelli toma novamente o
exemplo do gato que pode estar acordado ou dormindo dentro da caixa.
No caso da
teoria dos muitos mundos, as duas versões do gato existem por si só em
diferentes universos, e não seriam apenas possibilidades do que pode ou não
acontecer com o animal.
Nessa corrente de pensamento, também existiriam duas versões da
pessoa que observa o gato —em um desses mundos, tem o sujeito que observa o
gato acordado, e em um outro mundo seria a versão dele que vê o gato dormindo.
Quando você toma essa premissa, explica Rovelli, e a leva para
as inúmeras relações possíveis da realidade do Universo, chega-se a conclusão
de que poderia haver infinitos mundos para comportar todos esses cenários.
Por causa disso, o autor afirma que essa teoria é muito radical.
Rovelli defende mais abertamente o que chama de perspectiva relacional —uma
visão de mundo baseada nos infinitos estados de sobreposição e interferência,
não havendo uma resposta exata, mas sim miríades de possibilidades que se
modificam a depender dos objetos envolvidos na interação.
Nesse ponto, a teoria quântica influencia diversas outras áreas
do conhecimento, porque fala da forma como a realidade pode ser percebida.
Não
trata unicamente das matérias que formam o Universo, mas também de como as
interações entre elas influenciam a realidade que nos cerca —e as inúmeras
possibilidades que existem.
Um exemplo é a filosofia. Durante todo o livro, o autor traça
paralelos entre as duas áreas.
Um caso que Rovelli utiliza é de Nagarjuna, filósofo indiano que
viveu no século 2 e chegou à conclusão de que as coisas não existem por si só,
mas passam a existir quando são vistas em relação a outros objetos.
A
semelhança com a física quântica e a perspectiva relacional é óbvia.
O físico, assim, defende a relevância do ensino da filosofia,
pois ela "questiona preconceitos, nos obriga a pensar com mais precisão e
profundidade".
Outro ponto destacado por Rovelli é o próprio fazer científico.
Para ele, a física quântica, ao mostrar que a observação é relacional, indica
que a produção do conhecimento não é totalmente isenta.
Ela depende da
interação do pesquisador com o objeto de estudo —e isso se multiplica em
inúmeras possibilidades.
Rovelli menciona, como um exemplo, o céu. A cor que ele tem não
é uma propriedade inerente a ele, mas, sim, algo que também depende de quem
está vendo.
A linguagem também segue por esse caminho: o que é falado sempre
depende de quem ouve e de sua interpretação.
Mesmo com exemplos por vezes simples, como esse do céu, Rovelli
deixa claro que, apesar do grande impacto, a física quântica ainda é bastante
recente e de difícil compreensão.
O próprio autor relata em algumas passagens a
confusão pela qual passou ao traduzir esses conceitos ao leitor.
"Escrevo sobre ciência tentando simplificar o máximo
possível, transmitindo com muita fidelidade o que penso serem as ideias principais.
Isso é mais fácil de fazer nos tópicos que entendo bem, mas ninguém entende bem
física quântica.
Portanto, este livro foi o mais difícil e também o mais
divertido de escrever", conclui.
SAMUEL FERNANDES - Formado
em antropologia pela UnB, é repórter de saúde e ciência da Folha. Foi
participante do primeiro programa de treinamento voltado para profissionais
negros da Folha.