Física Quântica


Livro de Carlo Rovelli mostra como física quântica revolucionou o mundo

Físico italiano usa exemplos e linguagem acessível para explicar conceitos ainda pouco conhecidos

Imagine um gato que está trancado em uma caixa que tem um dispositivo com 50% de chance de soltar um sonífero. 

Se o sonífero for ativado, o gato dorme. Caso não, ele continua acordado.

Como o animal está preso nessa caixa, não se sabe realmente se ele se encontra acordado ou adormecido —a menos que a caixa seja aberta.

Nessa circunstância, dizemos que o gato está em sobreposição quântica, um conceito da física que aborda como dois ou mais fenômenos contrários podem acontecer simultaneamente em um objeto. 

É como se algo pudesse estar presente em vários lugares diferentes ao mesmo tempo.

A sobreposição, para esse caso, se dá entre gato-acordado e gato-dormindo. 

No instante da descoberta se o sonífero foi ou não ativado, o gato sairia dessa sobreposição para um estado de interferência quântica, que é quando uma das duas possibilidades se realiza.

Esse exemplo, conhecido como gato de Schrödinger (em referência ao físico austríaco Erwin Schrödinger, 1887-1961), é um dos vários abordados no livro "O Abismo Vertiginoso", lançado recentemente no Brasil pela editora Objetiva.

A obra, destinada a explicar a física quântica, é assinada por Carlo Rovelli, físico teórico italiano e professor da Universidade de Aix-Marseille (França).

"Na versão original [de Schrödinger], a bolsa continha um veneno, não um sonífero, e o gato não adormecia, mas morria. 

Mas não gosto de brincar com a morte de um gato", escreve o autor em uma passagem, justificando a adaptação.

É assim, com linguagem acessível, que o físico faz uma tentativa de explicar a teoria dos quanta e mostrar a importância que ela tem para entender toda a realidade do Universo.

Essa linha de pensamento "sugere novos caminhos para repensar grandes questões, da estrutura da realidade à natureza das experiências, da metafísica até, talvez, a natureza da consciência", afirma.

A teoria também propõe uma nova forma de entender as minúsculas partículas que formam o Universo e principalmente as interações que acontecem entre elas.

Rovelli explica que, em 1925, o jovem físico Werner Heisenberg (1901-1976) se concentrou em observar o movimento que elétrons fazem de um átomo para outro. 

Com isso, lançou uma das principais bases da teoria dos quanta: seria necessário se limitar ao que era estritamente observável das interações entre as partículas para entender o Universo.

Daí surge um grande problema, já que essas interações e as observações que temos delas não são totalmente previsíveis. 

Schrödinger, o do gato, outro físico muito importante para a teoria quântica, chegou à conclusão de que é possível somente ter probabilidades de como as interações podem acontecer. Para ele, nunca seria possível ter toda certeza sobre o desenrolar das interações.

O foco principal da teoria dos quanta seria, então, essas interações e não os objetos.

"A física nos diz que a base do mundo não é uma lista de objetos com propriedades definidas. Acho que devemos desistir de encontrar de uma vez por todas a imagem ‘fundamental’ da realidade. 

A realidade é complexa, admite muitas perspectivas relacionadas, mas diferentes. Perguntar por sua ‘base’ pode ser simplesmente uma pergunta errada".

Assim, a partir da teoria quântica, novas hipóteses para explicar o Universo surgiram. Uma delas é a teoria dos muitos mundos. 

Ela afirma que uma infinidade de mundos existem por causa das inúmeras possibilidades de relações entre os elementos que compõem a realidade.

Nesse caso, uma sobreposição quântica não indica somente uma probabilidade de uma ou outra coisa acontecer —essa possibilidade de diferentes caminhos já é a realidade por si só e indica a existência de diferentes mundos.

Para explicar melhor, Rovelli toma novamente o exemplo do gato que pode estar acordado ou dormindo dentro da caixa. 

No caso da teoria dos muitos mundos, as duas versões do gato existem por si só em diferentes universos, e não seriam apenas possibilidades do que pode ou não acontecer com o animal.

Nessa corrente de pensamento, também existiriam duas versões da pessoa que observa o gato —em um desses mundos, tem o sujeito que observa o gato acordado, e em um outro mundo seria a versão dele que vê o gato dormindo.

Quando você toma essa premissa, explica Rovelli, e a leva para as inúmeras relações possíveis da realidade do Universo, chega-se a conclusão de que poderia haver infinitos mundos para comportar todos esses cenários.

Por causa disso, o autor afirma que essa teoria é muito radical. 

Rovelli defende mais abertamente o que chama de perspectiva relacional —uma visão de mundo baseada nos infinitos estados de sobreposição e interferência, não havendo uma resposta exata, mas sim miríades de possibilidades que se modificam a depender dos objetos envolvidos na interação.

Nesse ponto, a teoria quântica influencia diversas outras áreas do conhecimento, porque fala da forma como a realidade pode ser percebida. 

Não trata unicamente das matérias que formam o Universo, mas também de como as interações entre elas influenciam a realidade que nos cerca —e as inúmeras possibilidades que existem.

Um exemplo é a filosofia. Durante todo o livro, o autor traça paralelos entre as duas áreas.

Um caso que Rovelli utiliza é de Nagarjuna, filósofo indiano que viveu no século 2 e chegou à conclusão de que as coisas não existem por si só, mas passam a existir quando são vistas em relação a outros objetos. 

A semelhança com a física quântica e a perspectiva relacional é óbvia.

O físico, assim, defende a relevância do ensino da filosofia, pois ela "questiona preconceitos, nos obriga a pensar com mais precisão e profundidade".

Outro ponto destacado por Rovelli é o próprio fazer científico. Para ele, a física quântica, ao mostrar que a observação é relacional, indica que a produção do conhecimento não é totalmente isenta. 

Ela depende da interação do pesquisador com o objeto de estudo —e isso se multiplica em inúmeras possibilidades.

Rovelli menciona, como um exemplo, o céu. A cor que ele tem não é uma propriedade inerente a ele, mas, sim, algo que também depende de quem está vendo. 

A linguagem também segue por esse caminho: o que é falado sempre depende de quem ouve e de sua interpretação.

Mesmo com exemplos por vezes simples, como esse do céu, Rovelli deixa claro que, apesar do grande impacto, a física quântica ainda é bastante recente e de difícil compreensão. 

O próprio autor relata em algumas passagens a confusão pela qual passou ao traduzir esses conceitos ao leitor.

"Escrevo sobre ciência tentando simplificar o máximo possível, transmitindo com muita fidelidade o que penso serem as ideias principais. 

Isso é mais fácil de fazer nos tópicos que entendo bem, mas ninguém entende bem física quântica. 

Portanto, este livro foi o mais difícil e também o mais divertido de escrever", conclui.

SAMUEL FERNANDES - Formado em antropologia pela UnB, é repórter de saúde e ciência da Folha. Foi participante do primeiro programa de treinamento voltado para profissionais negros da Folha.


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