Não é
ingênuo achar que a quarentena possa gerar resultados positivos para o
autoconhecimento e até relacionamentos familiares e amorosos.
“Muitas
pessoas estão aproveitando para rever muitas coisas, mas isso é trabalho
pessoal.
Alguns viram que, talvez, não precisem de tanta coisa, possam cuidar
mais de si, não precisem consumir tanto e também não precisem levar uma vida
tão demandada”, disse Iaconelli em conversa com a repórter Érica Fraga, que, durante o isolamento social, compartilha suas experiências
dentro de casa com seus três filhos pequenos na live Quarentena em Família.
Segundo
a psicanalista, o ser humano dá passos pequenos, com pequenas evoluções, e
relatou ocasiões em que, durante o isolamento, um casal pode começar a apreciar
a presença um do outro de um jeito que não apreciava, um adolescente volta a se
engajar com a família e até irmãos que percebem como pode ser legal estarem
juntos.
“Acho
que é ingênuo pensar que isso será algo por causa do vírus, algo que acontecerá
coletivamente.
Isso entra no mérito de cada um, a dedicação de cada para isso.
Porque você pode também ficar enchendo a cara dia e noite e sabemos que a
violência doméstica aumentou 50%”, analisou ela.
Ela, que é autora de livros como "O
Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI", também
comentou sobre como abordar com crianças o isolamento.
“Não
dá para esperar que as crianças compreendam exatamente que está acontecendo, se
até para nós tudo é uma grande novidade.
Podemos pensar em conversar com elas
do tipo ‘olha, está acontecendo uma coisa muito séria e você pode ajudar a
fazer disso algo melhor’”, e sugere engajar os pequenos em tarefas domésticas
ou pedir para que eles deem atenção aos seus avós via chamadas virtuais.
Sobre casos de pais que têm pensado em desmatricular seus filhos
de escolas, ela acredita que cada caso é um caso.
“Passado um mês da
quarentena, as percepções estão mudando. Os professores estão exauridos, as
crianças entediadas e os pais enlouquecidos, então deve ter alguma coisa
errada”, disse ela.
“A
primeira ideia é que esse não é um ano perdido, é um ano diferente. Não adianta
querer comparar com um ano regular.
Tenho sugerido aos pais que sentem com as
escolas para renegociarem as coisas na ordem da possibilidade, independente da
faixa etária, porque cada criança responde de uma forma ao estudo via
computador ”, concluiu ela.
Questionada sobre como será o retorno da quarentena, Iaconelli
disse que nem tudo precisa acabar em um divã.
“Acho que subestimamos nossa
capacidade de lidar com situações difíceis, temos que lembrar já vivemos duas
Guerras Mundiais, já vivemos uma ditadura militar, a gente voltou sim, voltamos
a ser feliz.
A gente vai voltar. Vai ser diferente? Vai”, disse ela.
Iaconelli acredita que há dois níveis nos quais que devemos nos
preocupar com a volta, um do pessoal com as famílias e o outro nível nacional.
“Esse é o momento que o brasileiro tem a oportunidade de sair de
uma situação inédita, ou saímos todos melhor de uma situação como essa ou
afundamos todos.
O brasileiro tem uma mentalidade de que ‘eu vivo bem, sou de
classe média alta, saio na rua com meu carro blindado e, se ficar ruim, eu vou
morar em Miami’.
Não, não tem viver bem em um país com tanta pobreza e miséria,
ou vamos pensar em uma saída de forma coletiva ou vamos voltar para aquela
situação de que nunca saímos de um país com dificuldades terríveis”, concluiu
ela.
Vera Iaconelli - diretora do Instituto
Gerar, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século
XXI". É doutora em psicologia pela USP.
Fonte: coluna jornal FSP