Cachorro da raça Golden Retriever
Diz a história que fomos nós, humanos, que os domesticamos, primeiro ajudando a sobreviver com nossos restos de comida os tataravós menos ariscos e desconfiados dos lobos; depois recompensando os descendentes mais mansos e nos aproveitando da sua presença barulhenta e protetora; e então propositalmente selecionando aqueles que mais nos convinham.
Daí a lógica de Darwin de que sobrevivência seletiva em ambientes diferentes gera diversidade.
Um estudo recém publicado no Journal of Neuroscience mostra que de fato, raças de cães criadas para finalidades diferentes —cães farejadores, de companhia, caça, guarda— têm cérebros diferentes. Usando dados anatômicos de ressonância magnética sobre o tamanho relativo de partes do cérebro com funções diferentes —visão, olfato, comportamento social, motivação, agressividade—, os pesquisadores notaram que raças diferentes apresentam partes diferentes do cérebro relativamente maiores. Tal diferença é exatamente o esperado se a seleção artificial do processo de domesticação consistisse em favorecer animais com cérebros ligeiramente diferentes.
Mas há quem conte a história de outra forma. Aqui em casa, brincamos que nossos cachorros nos treinaram muito bem: entendemos direitinho quando eles querem comer, beber, brincar, passear, dormir ou ser afagados, e atendemos prontamente. Meu marido e eu fomos muito bem domesticados por nossos cães.
Nossa brincadeira de que nós, humanos, somos uma espécie domesticada é no entanto uma proposta séria de dois pesquisadores, cada um com suas razões.
Richard Wrangham e Brian Hare, o primeiro conhecido por sua proposta de que a cozinha mudou a evolução humana, e o segundo por seus estudos sobre o comportamento de mamíferos em geral, e de cachorros em particular, defendem que nossa espécie sofreu seleção positiva a favor de menor agressividade e maior sociabilidade do que outros primatas. Seus argumentos são exatamente os mesmos que o novo estudo sobre cachorros. E agora: quem domesticou quem?
Suzana Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte: coluna jornal FSP