Presidenciáveis
precisam apresentar estratégia detalhada para tirar país do descontrole fiscal
Não é possível minimizar a gravidade do quadro fiscal
brasileiro --a dívida pública bruta do Brasil já é alta, representando 75% do
PIB no início de 2018, bem acima do limite geralmente considerado
"seguro" para os mercados emergentes.
Além disso, as projeções indicam que a dívida continuará
aumentando rapidamente.
Nas últimas semanas pré-candidatos à Presidência vêm
adotando posições divergentes sobre a questão do ajuste fiscal.
Alguns sugerem que o problema pode ser resolvido
acelerando o crescimento.
Outros questionam se o ajuste pode ser adiado, ou pelo
menos diluído, uma vez que uma forte contração fiscal não parece ser o caminho
indicado no atual momento de fraqueza econômica.
O ex-ministro da Fazenda Henrique
Meirelles (PSD)
Ainda outros questionam se o ajuste
deve focar no aumento das receitas, em vez da redução das despesas --eles
argumentam que um ajuste do lado das despesas pode acabar afetando os gastos
sociais e, com isso, minar os avanços dos últimos 15 anos na redução da
pobreza.
A decisão realmente não é fácil.
Primeiramente, vale lembrar porquê não é realístico
pensar em equilibrar as contas públicas simplesmente por meio de um crescimento
mais rápido: isso só seriapossível com um crescimento contínuo acima de 5% por toda uma década.
Quanto a diluir o ajuste fiscal, as experiênciasda América Latina sustentam a visão de que ajustes fiscais graduais
são menos prejudiciais ao crescimento do que ajustes --ou "choques"--
repentinos.
Entretanto, no Brasil, o teto dos gastos aprovado em
dezembro de 2016 já incorpora um ajuste gradual, que estabilizará a dívida
somente após dez anos, por volta de 2026.
Qualquer atraso adicional na implementação do ajuste, no
entanto, no mínimo aumentará taxa de juros, levando a uma redução do
investimento e do crescimento, correndo o risco de desencadear uma perda repentina
da confiança dos investidores.
Mas será que o ajuste irá prejudicar a recuperação
econômica?
Na realidade, no caso do Brasil provavelmente
aconteceria o contrário.
Na abundanteliteratura sobre o tema, reconhece-se que o impacto do aumento dos
gastos do governo sobre o crescimento (o chamado multiplicador fiscal) é
pequeno --e pode até ser negativo-- quando o governo tem uma posição fiscal
fraca, que é o caso do Brasil.
Da mesma forma, o efeito contracionista do ajuste nas
contas públicas sobre o crescimento provavelmente será limitado e, de fato,
pode até gerar uma expansão.
Isso acontece porque a redução dos gastos do governo em
um momento em que as finanças públicas estão quase no limite pode ajudar a
reduzir a percepção de risco dos mercados, motivando um aumento dos
investimentos privados.
De toda forma, como mencionado, ainda que os custos do
ajuste fiscal fossem maiores, infelizmente a situação fiscal atual do Brasil é
tão frágil que exige uma ação imediata.
Então seria melhor concentrar a maior parte do ajuste no
lado das despesas —como está implícito no teto— ou aumentar os impostos?
As evidênciasinternacionais indicam claramente que o corte de gastos tem um
impacto contracionista muito menor sobre o crescimento do que o aumento dos
impostos.
Por isso, os ajustesfiscais que focam na redução dos gastos, em muitos casos, estão
associados a taxas mais elevadas de crescimento e taxas mais baixas de inflação
no longo prazo.
No entanto, isso depende da composição dos cortes.
As evidências sobre os multiplicadores fiscais sugerem
que cortes no consumo do governo (incluindo gastos públicos com bens e serviços
e os salários dos servidores públicos) teriam um impacto negativo
insignificante --ou até poderiam ter impacto positivo-- sobre o crescimento.
Por outro lado, cortes nos investimentos públicos e nas
transferências sociais que beneficiam as famílias pobres têm um forte impacto
negativo sobre o crescimento.
Além disso, evidênciasrecentes relativas à América Latina mostram que os custos de um
ajuste baseado em impostos são mais elevados quanto maior for a carga
tributária inicial sobre a economia.
Em particular, os autores estimam que um ajuste fiscal
por meio do aumento dos impostos sobre o consumo (que no Brasil já são bastante
altos) teria um forte efeito negativo sobre o crescimento, com uma perda de
mais de 3% do PIB para cada ponto percentual do PIB em receita arrecadada.
Esse raciocínio não significa que não exista margem para
aumentar as receitas.
O sistema tributário brasileiro é caracterizado por
impostos múltiplos e sobrepostos, que são complexos, impõem altos custos de
conformidade, e acabam por desnivelar a concorrência e reduzir a produtividade
das empresas.
Há, portanto, medidas tributárias capazes de aumentar as
receitas e, ao mesmo tempo, corrigir essas distorções, podendo até estimular o
crescimento.
Além disso, promover aequidade é uma justificativa contundente para a reforma do sistema
tributário.
Há mais um argumento em favor do ajuste baseado em
cortes de gastos.
Uma revisão dosgastos do governo federal revela que uma parcela importante não é,
de fato, progressiva e beneficia predominantemente as faixas média e alta da
distribuição de renda.
O estudo destaca uma ampla margem para cortes de gastos
e redução das isenções tributárias que aumentariam a qualidade e a equidade da
política fiscal e protegeriam os pobres.
Vale ressaltar que o estudo recomenda a redução das
volumosas transferências para os brasileiros mais ricos que estão implícitas no
sistema previdenciário, na folha de pagamento do funcionalismo público e na
grande quantidade de benefícios (subsídios e isenções tributárias) direcionados
ao setor privado.
Essa estratégia seria boa para o crescimento e para a
equidade.
Em resumo, o Brasil está entre a cruz e a espada.
Perseguir o ajuste tanto por meio de corte de gastos
quanto por meio de aumento de tributos pode desacelerar o crescimento no curto
prazo e pode ter efeitos negativos sobre os mais pobres--tudo depende das
medidas específicas que serão adotadas.
Porém atrasar o ajuste servirá apenas para arrastar
ainda mais o desempenho econômico medíocre dos últimos anos e arrisca levar o
país a uma grave crise macroeconômica.
É preciso que, além das declarações iniciais, os
presidenciáveis apresentem uma estratégia detalhada para tirar o país do atual
descontrole fiscal e voltar a um caminho de prosperidade e redução da pobreza.
Esta coluna foi preparada em colaboração com os meus
colegas Cornelius Fleischhaker, economista, e Rafael Amaral Ornelas,
analista, ambos do departamento de macroeconomia, comércio e
investimento do Banco Mundial.
Antonio Nucifora - economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já
trabalhou para a instituição na Europa, na África e no Oriente Médio.
Fonte: jornal FSP