Reproduzido do blogdo autor, 22/6/2014; título original “Sósia do Felipão: Errar é
humano. Principalmente se você for jornalista”, intertítulo do OI
Creio
que todos os colegas acompanharam o erro cometido por Mario Sergio Conti e
divulgado tanto na Folha de S. Paulo quanto em O Globo.
Ele entrevistou um sósia do Felipão em um voo entre Rio e São Paulo e mesmo com
a cópia avisando que não era o original, publicou a entrevista, achando que se
tratava de uma brincadeira do técnico gaúcho. Os dois jornais não acharam
estranho várias incongruências que cercavam a história e deixaram passar. No caso da Folha,por exemplo, a edição já estava impressa e teve que ser reciclada.
O
erro é grande? Claro. E o caso não só vai render boas discussões nas faculdades
de jornalismo, mas também ficará no anedotário da profissão – que é extenso e
inclui histórias que vão do “boimate’’, o fruto da manipulação genética do boi
com tomate, ou mesmo o “enforcamento’’ de Jesus. Ainda mais porque estamos no
meio da Copa do Mundo e notícias sobre futebol correm como vento. Enfim, para
quem não estava diretamente envolvido no caso, foi algo entre a graça da falha,
o escárnio contra um jornalista e veículos conhecidos e uma certa vergonha
alheia aliada a uma pitada de solidariedade.
Vergonha
alheia porque a maioria de nós, jornalistas, consegue se colocar exatamente no
lugar do experiente Mario Sergio e imaginar que se fosse conosco, ia ser bem
chato o dia seguinte.
É
duro admitir que falhamos. Na nossa profissão, especificamente, é um drama. Por
mais que vocês ouçam de nós que assumir um erro faz parte do dia a dia e apenas
engrandece quem assume o mea culpa, isso é só conversa pra boi
dormir. É uma merda federal aquele calafrio que sobe a coluna quando percebemos
que um erro bizarro brotou de nossas mãos. Tenho alguns amigos grandiosos que
não se abalam um milímetro, mas outros recorreram a antidepressivos. Até
porque, com saudáveis exceções, vale o ditado: sabe como jornalista se suicida?
Sobe no ego e pula.
Chances de falhas
Se
for grande a falha então, pelo-amor-de-deus-nossa-senhora-jesus-maria-josé. O
problema não é tanto a vergonha, os olhares de reprovação de nossos pares, as
gozações de quem não vai com a nossa cara ou de nossos detratores, pois tudo
isso passa. Mas sim o medo da perda de credibilidade junto às nossas fontes e leitores.
Erros
vão acontecer, sempre, porque somos humanos e lidamos com material humano. Essa
é uma certeza imutável da profissão – que se junta a outras, como “não se fica
multimilionário sendo repórter honesto” e “a edição sempre fecha no final”.
Um jornalista
experiente, por ter mais quilometragem de carreira e de vida, tende a não
cometer certos erros dos “focas’’ (como chamamos os novatos). Mas, ainda assim,
são pessoas como qualquer outra e não seres divinos e infalíveis.
Isso
sem contar que muitos dos erros cometidos no jornalismo são derivados do mesmo
processo que leva a falhas em outras profissões: a intensificação do ritmo de
trabalho. A chegada do maravilhoso mundo novo da internet não significou alento
para muita gente mas, pelo contrário, serviço dobrado – e que não termina
quando o expediente acaba pois, agora, o virtual desterritorializa o trabalho.
E
quando um erro é confundido com má fé? Ou seja, quando você simplesmente fez
uma besteira, mas teorias conspiratórias afirmam a presença de mãos peludas
como responsáveis. E não adianta dizer que não é culpa de ninguém, as pessoas
vão achar que você foi censurado.
O
erro jornalístico não é menos grave que o erro médico. Ele também mata e, além
disso, destrói reputações (os donos da Escola Base que o digam). Assumir
rapidamente a “barriga”, como chamamos as burradas no nosso jargão, ajuda a
diminuir o estrago, mas não o apaga. Ainda mais com a internet e sua memória em
rede, garantindo que ninguém tenha o direito ao esquecimento. Jornalistas e
veículos de comunicação têm que se debruçar sobre as causas desses erros e
ponderar se o seu processo de produção de conteúdo é capaz de reduzir a chance
de falhas. Atuar para que erros não voltem a acontecer é tão importante quanto
reconhecê-los.
E
mais importante do que rir deles.
Leonardo
Sakamoto – jornalista, doutor em Ciências Políticas, professor da PUC /SP
Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/