Arapucas de fundos atrapalham quem quer surfar na
renda fixa
É
preciso ficar alerta para não pagar mais por aplicações que vão dar menos
dinheiro.
A renda fixa voltou com tudo. A esta altura do
campeonato, ninguém pode ter mais dúvidas.
Emitindo títulos de crédito privado
com taxas interessantes, empresas como JBS, Vale e até mesmo as lojas Havan confirmaram essa onda
e estão chegando ao bolso de investidores.
O movimento parece longe do fim. O Banco Central estima que a taxa básica de
juros (Selic) vá sair de 11,75% e atingir seu ponto
máximo em 12,75% antes de voltar a baixar.
Já a equipe do Credit Suisse
acredita que o BC tenha calculado errado o impacto da inflação e já aposta em uma Selic
de 14%.
O Brasil está renovando sua infeliz vocação de "exportar
Selic", ou seja: trazer dinheiro de fora simplesmente para a compra de
títulos do governo, que, com altas taxas de juros, passa a disputar o dinheiro
com o setor privado.
Com o aumento das ofertas de títulos de renda fixa
públicos e privados com boas taxas, fica a dúvida (sempre melhor a dúvida do
que a dívida): como escolher seus investimentos em renda fixa
Convenhamos que a lista de estratégias para
escolher as melhores ações é vasta. Análise gráfica, análise fundamentalista,
análise quant...
Mas, na hora de escolher ativos de renda fixa, a banda toca
diferente.
A primeira coisa ao se deparar com uma oferta é
olhar com atenção o setor da empresa e sua exposição a possíveis mudanças do
mercado.
Há aqueles menos impactados por crises (como infraestrutura e energia)
e os mais expostos (varejo e aviação).
O segundo ponto a ser observado é o motivo que
levou a empresa a buscar dinheiro no mercado. Está buscando ampliar a operação
ou vai fazer uma nova dívida para cobrir um buraco nas contas?
Depois disso, é tempo de olhar o caixa, o nível do
endividamento e o lucro. Sempre comparando com outras concorrentes do mesmo
setor (não dá para cotejar os números de uma rede de supermercado com os de uma
petroleira).
No geral, são informações que precisam constar dos
materiais publicitários que as empresas divulgam na hora de ir a mercado buscar
dinheiro de investidores.
Tem ainda os riscos que costumam ficar pouco
explícitos nesses materiais de divulgação das ofertas.
Levando em conta as três
empresas já citadas no início do texto, dá para apontar como fatores de risco
de outrora o envolvimento da Vale nas tragédias de Brumadinho e Mariana; as
famosíssimas gravações de conversas de um dos donos da JBS, Joesley Batista,
com o então presidente da República, Michel Temer; e o ativo envolvimento do
dono da Havan, Luciano Hang, com a campanha do atual presidente Jair Bolsonaro.
O peso que se atribui a cada informação na tomada
de decisão sobre comprar ou não comprar um ativo é que dá trabalho.
Para isso,
escritórios de investimento possuem as equipes das chamadas "mesas de
renda fixa", que orientam os assessores e tiram dúvidas dos investidores,
e os fundos de renda fixa, por sua vez, têm a figura dos gestores.
Os gestores de fundos são profissionais remunerados
para saber a hora de vender e comprar sem consultar os investidores sobre eles
aceitarem essa ou aquela mudança. É carta branca, mesmo.
E a remuneração deles é feita por duas taxas: a de
administração (fixa) e a de performance (variável).
Agora vem a surpresa: os
fundos de renda fixa e de previdência que cobram as maiores taxas de
administração costumam dar o pior resultado ao longo do tempo.
Não, você não leu errado: Na maior parte das vezes,
paga-se mais para ter pior retorno. Essa foi a conclusão de um estudo feito
pela fintech Onze, divulgado pelo site Monitor do Mercado.
O levantamento considerou todos os fundos de
investimento de renda fixa e previdenciários com mais de cinco anos de
histórico e dividiu-os em quatro grupos, de acordo com a taxa de administração
cobrada: até 0,61%; entre 0,61% e 0,96%; entre 0,96% e 1,5%; e acima de 1,5%.
Pois a conclusão é que, olhando as janelas
temporais de 24, 36, 48 e 60 meses, a rentabilidade média dos fundos com taxa
de administração mais baixa foi melhor do que a dos que mais cobraram de seus
investidores.
Considerando o maior prazo da análise, de cinco anos, a média
dos retornos dos fundos do primeiro grupo foi 61% superior à dos fundos do último.
Olhando no detalhe, há até fundos da mesma instituição, que
compram os mesmos títulos, mas são oferecidos para diferentes clientes, com
taxas de administração diferentes.
O momento é ótimo para escolher bons investimentos de renda
fixa. Mas é preciso ficar alerta, para isso não servir apenas de discurso do
gerente do banco para te fazer pagar mais por investimentos que vão te dar
menos dinheiro.
MARCOS DE VASCONCELLOS - jornalista,
assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado