A estratégia Biden
Meu
conselho a você, empresário: não despreze o seu Trump, como Biden não
desprezou.
Em 1973, passei seis meses como estudante de
intercâmbio em Pisgah, Iowa, no chamado “Bible Belt” dos EUA (o cinturão da
Bíblia, com forte presença religiosa).
A cidade é uma rua, e hoje tem menos de
300 habitantes.
Meu “pai” americano era fazendeiro, e minha “mãe”,
professora. Dolores e Donald Messenger eram muito diferentes de mim, mas muito
amados, e me fizeram compreender a América profunda.
Donalds e Dolores foram às urnas no dia 3 e quase
elegeram Donald Trump de novo. O presidente,
grande comunicador, fala a língua deles, mesmo vindo da elite nova-iorquina.
O meu partido nos EUA, o Democrata, exagerou em
determinado momento ao parecer governar as United Nations.
Trump venceu em 2016
com a estratégia de governar os United States. “Make America Great Again”, seu
slogan, era tão bom que virou muito mais do que um slogan.
Não fosse a
pandemia, Trump talvez vencesse de novo. Mas sua gestão do vírus foi tão
horrorosa que ele perdeu a campanha antes da campanha.
O meu Partido Democrata foi pragmático.
Nas
primárias, diante de alternativas mais à esquerda e mais vibrantes como Bernie
Sanders, escolheu um centrista sereno, boa gente, religioso, que sempre foi o
cara para se sentar com o oponente republicano no Senado e superar impasses.
Foi a estratégia serena desse político tarimbado, vice de Obama por oito anos,
conhecedor da América profunda e do mundo, que conseguiu conquistar uma parte
decisiva dos Donalds e Dolores e garantir a vitória.
Outro pilar da estratégia de Biden foi a escolha de
sua vice, Kamala Harris, a primeira mulher e a primeira
mulher negra a ocupar o posto.
A energética e carismática filha de imigrantes
trouxe vitalidade à chapa.
E, para um candidato que começará a governar com 78
anos, ter uma vice energética e carismática é um hedge fundamental.
Kamala também representa os progressistas da
Rainbow Coalition e as alas à esquerda do partido, preteridas nas primárias por
despertarem extrema desconfiança nos eleitores mais ao centro e à direita.
Nasci no Pelourinho, fui locutor de rádio, vendedor
de loja e, disciplinadamente, por causa da minha profissão, nunca deixei de ser
antenado com o Brasil profundo e as emoções que o movem.
As pessoas de marketing ficam muito ligadas a tudo
de novo no mundo, mas às vezes não sabem falar com o Nordeste, com o interior
de Goiás, com o gaúcho da fronteira ou o ribeirinho da Amazônia.
São pessoas
que pensam diferente da visão predominante nos grandes centros ricos e
cosmopolitas.
Nos EUA, são quase dois países diferentes. Pesquisa
da Brookings Institution mostrou que Trump venceu em 2.497 condados que
representam 29% da economia americana, enquanto Biden venceu em 477 condados
que geram 70% do PIB.
Quem consegue erguer pontes transita pelos dois. Biden
conseguiu, e precisa governar para ambos.
Um dos maiores gurus e coachs da minha vida,
Geraldo Walter dizia: “Quem pensa com raiva pensa mal”. Biden venceu porque, em
vez de odiar e desprezar os eleitores de Trump, entendeu que eles também fazem
parte dos EUA.
E a vontade de entender essa população foi apoiada
por táticas eficientes de mobilização do eleitor.
Os democratas só ganharam
porque estimularam, meses atrás, o voto antecipado e por correio (essencial num
país com pandemia severa e voto facultativo).
Meu conselho a você, empresário: não despreze o seu
Trump, como Biden não desprezou.
O produto dele pode ser mais tosco, menos
chique, mais básico, mas, se estiver ganhando mercado, não despreze. Admire e
compreenda os Donalds e Dolores Messenger dele e adapte-se. Aprenda a falar com
eles, e o seu resultado será melhor.
Nizan
Guanaes - empreendedor, criador da N Ideias.
Fonte:
coluna jornal FSP