Em geral os sistemas de aposentadoria se fundamentam em modelos
de longuíssimos prazos e levam em consideração projeções econômicas e
demográficas. Para que tais sistemas sejam mantidos em equilíbrio, é
recomendável que se promovam ajustes periódicos e paulatinos, sobretudo nos
anos em que a economia do país atravessa por períodos de bonança. Caso
contrário, os desequilíbrios gerados pelo aumento dos gastos se tornam
frequentes. Não à toa, acompanhamos, ao longo das últimas décadas, diversos
países promoverem mudanças em seus sistemas de aposentadoria. A questão da
previdência tem sido – e continuará sendo – um tema prioritário nas agendas dos
governantes em todo o mundo. Não se trata, pois, de uma questão circunscrita ao
Brasil. Nesse contexto, são diversos os fatores que contribuem para que os
referidos desequilíbrios se apresentem.
Nos regimes que seguem o modelo de repartição simples (pay as
you go) – o denominado “pacto de gerações” –, tais fatores estão vinculados à
questão atuarial, isto é, à queda do índice de fecundidade, ao envelhecimento
da população e ao alongamento da expectativa de vida. Salvo raríssimas
exceções, esses regimes não são mais sustentáveis. Prova concreta disso é a
própria experiência brasileira.
Por possuir um sistema muito complexo, o Brasil se encontra em uma situação na
qual não parece ser possível alimentar perspectivas otimistas. Em 2015, o
déficit da previdência teve pesada parcela de responsabilidade no aumento do
déficit público, situação que se perpetuará se nada for feito nos próximos anos
até entrar em colapso.
A situação é tão dramática que alguns Estados da federação já
estão com uma parte significativa da receita de impostos comprometida com o
pagamento de salários dos funcionários da ativa e dos aposentados. Os gastos
com pagamento de pessoal são um fardo cada vez mais pesado para a maioria dos
governos estaduais. Nos últimos três anos, nada menos que 22 das 27 unidades da
Federação ampliaram a parcela da receita comprometida com salários de
servidores ativos e aposentados. Os entes da federação estão em um beco sem
saída.
Por essa razão, os políticos, tem feito esforços para tentar mudar a Lei de
Responsabilidade Fiscal que limita os gastos com o funcionalismo a 49% da
Receita. Os Estados que extrapolam esse percentual deixam de receber
transferências voluntárias da União. Não se pode culpar à queda da arrecadação
por essa situação ou a corrupção.
Na média, a arrecadação dos Estados aumentou 16% acima da
inflação nos últimos três anos, enquanto os gastos com pessoal nas 27 unidades
da federação cresceram 36%. Não é à toa que observamos nos últimos anos
aumentos tão acentuados nos impostos como o IPTU e IPVA para melhorar a
situação das contas. Já a corrupção, de fato, tem que ser denunciada,
investigada e os seus responsáveis punidos, exemplarmente, mas, ela a corrupção
não é um problema técnico, é um caso de polícia. Esse argumento não pode ser
usado para frear ou adiar a necessidade de reforma do sistema.
Os indicadores macroeconômicos denunciam a gravidade dos fatos. Não são poucos
os argumentos e os dados estatísticos que corroboram a necessidade de se
promover uma reforma estrutural do sistema brasileiro. Inclusive, ao longo das
três últimas décadas, os especialistas na matéria vêm tentando, sem sucesso,
alertar os governantes de que é preciso empreender mudanças urgentes. No
entanto, avançou-se muito pouco nesse sentido. As mudanças não aconteceram por
diversos fatores, mas, preponderantemente por corporativismo da elite do setor
público que se recusa perder seus privilégios.
A discussão deveria estar centrada na questão técnica. Vamos aos fatos. Além
dos fatores de desequilíbrio já comentados, no caso brasileiro, há variáveis
adicionais que acabam por tornar o panorama ainda mais complicado, tais como:
(i) a concessão de vantagens para determinadas categorias
profissionais;
(ii) o critério de elegibilidade aos benefícios;
(iii) a indexação da aposentadoria ao salário mínimo;
(iv) a extensão do benefício de aposentadoria para pessoas que
nunca contribuíram para o sistema;
(v) a equivalência do benefício de aposentadoria ao salário da
ativa de uma determinada parcela da população; e
(vi) o fato de o tempo de serviço ter prevalecido por longos
anos como condição primária para a aposentadoria, o que possibilitou o ingresso
precoce de muitos participantes à condição de aposentado.
Como se não bastasse os elementos acima destacados, o aumento da
economia informal, o desemprego e a dificuldade de entrada no mercado de
trabalho também serviram para agravar ainda mais a situação nos últimos anos.
Tais distorções expõe, de maneira inegável, a precariedade da arquitetura dos
sistemas de previdência que coexistem no Brasil. Vale ressaltar que o sistema
brasileiro, além de complexo, também é injusto, vez que parece dividir o país
em castas.
O sistema previdenciário brasileiro é composto pelo Regime Geral de Previdência
Social (RGPS) – instituído pelo artigo. 201 da Constituição Federal e
disciplinado pelas Leis nº 8.212/91 (plano de custeio) e nº 8.213/91 (plano de
benefícios). O sistema, abrange todos os trabalhadores da iniciativa privada. É
gestor desse regime o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia
federal vinculada ao Ministério da Previdência Social e o Regime Próprio de
Previdência Social do servidor público civil de cargo efetivo – disciplinado no
artigo. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20/98. O RPPS, abrange os servidores públicos, havendo,
ainda, a possibilidade de existência de outros regimes próprios de previdência
no âmbito da União, Estados e Municípios.
O primeiro, encampa um contingente de aproximadamente 100 milhões de
participantes, entre contribuintes e beneficiários. Já o regime próprio do
setor público, incluindo os Estados e Municípios, abrange uma população próxima
de 10 milhões de participantes, entre ativos e beneficiários. Enquanto os
gastos com o pagamento de aposentadorias no setor privado é de aproximadamente
R$ 500 bilhões para cobrir uma parcela de 29 milhões de aposentados, os gastos
para cobrir uma parcela de 1 milhão de aposentados do setor público é de R$ 115
bilhões.
Já o déficit do setor privado acumulado nos últimos 15 anos, totaliza R$ 450
bilhões, enquanto o déficit do setor público no mesmo período foi de R$ 1,3
trilhões. Quando comparamos a média de benefícios, entre o setor público e
privado, a distorção é mais acentuada. Enquanto a média de aposentadoria dos
aposentados do RGPS é de R$ 1,6 mil, a média dos aposentados do executivo é de
R$ 9 mil. A média dos aposentados do legislativo é de R$ 28 mil, a média dos
aposentados do judiciário é de R$ 25 mil e a média de aposentadoria dos
aposentados do ministério público, supera R$ 30 mil.
Não é preciso ser um especialista para diagnosticar que há algo de errado,
sendo que tal distorção tem se perpetuado ao longo dos anos. Por outro lado, é
perfeitamente compreensível a dificuldade que às pessoas leigas, normalmente
possuem para entender a importância que o equilíbrio atuarial tem para a
manutenção da sustentabilidade de determinado sistema de previdência.
Entretanto, os maiores beneficiados pelo sistema, tem se aproveitado da
ignorância do cidadão comum sobre às questões técnicas e de um governo, sem
credibilidade para distorcer os fatos, e, assim proteger seus interesses.
Nas últimas décadas, nossos governantes ignoraram aspectos técnicos
incontestáveis, subestimando a gravidade da situação. Alguns foram mais longe
ao se acomodarem com o superávit de caixa observados em anos de bonança da
economia, embora o déficit atuarial já fosse uma realidade. O superávit
financeiro temporário, que foi possível obter no passado, deveu-se à custa do
sacrifício da maior parte dos trabalhadores e dos empresários da iniciativa
privada, isto é, por meio do aumento das contribuições; da redução do teto do
benefício da previdência social que na atualidade é de R$ 5.531,31, e da adoção
de medidas paliativas.
Os governos FHC e Lula ensaiaram promover a reforma em períodos mais propícios,
quando dispunham de apoio popular e político para fazê-lo, mas foram
ineficientes em convencer a sociedade de que se fazia necessário dar esse
passo.
Apenas após o equilíbrio da inflação com o plano Real, o desequilíbrio da
Previdência Social foi exposto de forma inexorável. A partir de 1995 o déficit
ficou mais evidente e passou a se destacar negativamente no âmbito das contas
públicas brasileiras, haja vista a presença relevante e acentuada na evolução
do déficit fiscal do país, que culminou nos ajustes implementadas em 1998 e
2003.
O regime geral, desde seu início, caracterizou-se por um modelo de repartição
simples, como já destaquei, anteriormente, ou seja, sempre foram cobradas
contribuições previdenciárias, tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores
do mercado formal para cobrir os gastos com os benefícios de inativos do INSS.
No entanto, nos anos em que houve superávit previdenciário, este foi utilizado
para o financiamento de outros gastos do governo, sem qualquer preocupação
atuarial com os compromissos futuros.
É importante destacar que até novembro de 1993, os servidores públicos não
contribuíam para as aposentadorias do regime próprio, o qual era subsidiado na
íntegra pela sociedade. Somente a partir daí que os servidores passaram a
contribuir, com uma alíquota variável de 9% a 12% sobre a remuneração total,
porém sem qualquer vínculo entre as contribuições e o valor das aposentadorias.
Trocando, em miúdos, o sistema já traz um passivo correspondente
ao serviço passado, gigantesco.
Dessa forma, três fatores impossibilitaram a sustentação do modelo atual de
previdência: os efeitos demográficos, as mudanças na composição do mercado de
trabalho e a incidência dos fatores de natureza institucional. Os efeitos
demográficos podem ser assim listados:
(i)
decréscimo da taxa de natalidade;
(ii)
aumento da expectativa média de vida;
(iii)
aumento progressivo da expectativa de sobrevida da população
após os 50 anos;
(iv)
envelhecimento da população; e, finalmente;
(v)
a redução do número de contribuintes futuros no sistema.
Acerca das mudanças na composição do mercado de trabalho, temos:
(i)
a redução da participação dos salários no total da produção,
especialmente no setor industrial, em que a participação do mercado formal é
mais expressiva, pela introdução de tecnologias intensivas em capital e
poupadoras de mão de obra;
(ii)
queda da participação da indústria, com crescimento dos setores
de comércio e serviços – setores que, apesar de absorverem um contingente cada
vez maior de trabalhadores, não contribuem para o aumento decisivo da
formalização das relações de trabalho; e, finalmente
(iii)
(iii) o aumento considerável do mercado informal de trabalho.
Já os fatores institucionais, podem ser resumidos a:
(i)
transformação da previdência pela Constituição Federal de 1988
em um importante instrumento de política social, sem contrapartida de receitas
suficientes para conter a elevação dos gastos previdenciários. Isso contribuiu
para a falência do modelo atualmente vigente para os trabalhadores do setor
privado, bem como para a deterioração das contas públicas, face às novas regras
de seguridade impostas para os servidores públicos, mas não é determinante,
pois não são os trabalhadores rurais os responsáveis pela deterioração do
sistema.
(ii)
Pelos fatores expostos, a Previdência Social vem caminhando, ao
longo dos anos, para uma situação de colapso financeiro, no sentido de que as
receitas previdenciárias tendem a não ser mais suficientes para cobrir as
respectivas despesas. É fato que desde a sua criação, a Previdência Social é um
dos pontos fracos nas contas do governo, sendo uma preocupação antiga. Por essa
razão, uma série de tentativas de reformas foram propostas ao longo dos anos
pelo Governo Federal, para que o sistema não entrasse em colapso definitivo.
A primeira tentativa ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a
Emenda Constitucional nº 20/98, que alterou principalmente as regras para os
servidores públicos. Houve a extinção da aposentadoria especial para
professores universitários, introdução da idade mínima (60 anos para homens e
55 para mulheres), retirada da aposentadoria baseada no salário dos últimos 36
meses e a instituição da idade mínima para a concessão do benefício integral no
setor público (53 anos para homens e 48 para mulheres), além de mudanças nas
regras de cálculo dos benefícios. A grande mudança promovida no governo FHC que
afetou os trabalhadores que fazem parte do RGPS foi a introdução do fator
previdenciário, extinto na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
(iii)
Em 2003, foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva enfrentar
protestos e a própria base aliada para promover o segundo ajuste importante no
sistema. A Emenda Constitucional nº 41/2003, que impactou novamente o setor
público, reduzindo 30% das pensões que excediam o valor de R$ 2.400,
instituindo a contribuição previdenciária de 11% para inativos e tetos de R$
17.300 para aposentadorias dos servidores estaduais e federais. Além disso, os
servidores que ingressaram no serviço público após a aprovação dessa reforma
não fazem mais jus à aposentadoria integral. Em novembro de 2015, outro ajuste
importante ocorreu, com a criação da Regra 85/95, sancionada pela ex-presidente
Dilma Rousseff.
A regra 85/95 dá direito a aposentadoria integral a trabalhadores que obtenham
valor igual ou maior a 85, para mulheres, e 95, para homens, na soma da idade
com o tempo de contribuição.
Após o impeachment de Dilma em 2016, Michel Temer, ao assumir o governo com o
impeachment de seu antecessor, retomou a urgência em aprovar a reforma da
previdência, tendo sob pano de fundo um cenário caótico do ponto de vista
político, econômico e social.
(iv)
Se no passado as tentativas de reformar o sistema esbarraram na
questão do direito adquirido – versus a expectativa de direito – que perpetua o
abismo entre os participantes do RGPS e os do RPPS, outros fatores
contribuíram, tais como: a falta de vontade política de nossos governantes, a
impopularidade do tema, a ignorância dos leigos no tema e a eficiente
mobilização das forças corporativistas de uma elite do funcionalismo público
que se recusam perder seus privilégios. Em tempo, não são os funcionários
públicos, em geral, os principais responsáveis pela insolvência do sistema.
Eles são da mesma forma vítima desse estado de coisas.
Na atualidade, paulatinamente, a proposta de reforma de Temer foi se
transformando em mais um remendão. Hoje não tenho dúvidas que o remendão
proposto não será mais aprovado. Contribuíram para chegarmos a mais um
adiamento da reforma, a incompetência de um governo fraco, sem credibilidade,
afogado em episódios de corrupção. Um congresso que se recusa, votar medidas
duras e impopulares em ano de eleição, e como das outras vezes às forças
corporativistas de uma elite do setor público.
Isto posto, a reforma da previdência como aconteceu em outras
ocasiões, mais uma vez será adiada para o próximo governo. Esperamos que o novo
mandatário que assumirá em 2019 não abra mão em defender um sistema que não
aprofunde as diferenças existentes entre os trabalhadores da iniciativa privada
e os da iniciativa pública, como acontece na atualidade. O sistema ideal não
pode conceder diferenças tão acentuadas entre os trabalhadores de um setor, em
detrimento do sacrifício dos de outro setor. Só assim será possível evitar a
perpetuação de um sistema tão injusto.
Em tempo, a sociedade brasileira não será mais tolerante em relação a qualquer
tentativa de aumento de impostos ou de manutenção de privilégios. Se não
reformar o sistema, entramos em colapso.
Marco Pontes -
atuário, com formação em Estatística e APG em Administração e Liderança.
Atualmente é consultor em gestão de risco para empresas do setor privado. É
professor da FIPECAFI, colunista da Revista Opinião e autor de diversos artigos
técnicos para o mercado. E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br