Antigamente,
muitas pessoas decidiam morar junto, juntar os trapos, como era comum a
referência a esse tipo de relacionamento. Acontece que essa informalidade, essa
aparente falta de compromisso, fazer de conta que não são casados e, portanto,
isentos dos mesmos direitos e obrigações dos casamentos formais, foi mudando
com o passar dos anos.
A
união estável elevou o status desse relacionamento informal e, mais
recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu equiparar a união
estável ao casamento quando o assunto é herança.
Como
assunto de família é coisa séria e complicada, vou tentar explicar o assunto
contando uma história, explicando como era antes e como ficou, depois da
decisão que considerou inconstitucional
um artigo do Código Civil.
Um
casal -José e Maria- vive em união estável e tem dois filhos. Como não se
preocuparam em escolher o regime de comunhão de bens a ser adotado por eles, se
aplica o regime da comunhão parcial de bens.
José
já tinha um apartamento, comprado e pago antes da união com Maria. Durante a
união, compraram uma casa para acolher os filhos e dar mais conforto à família.
Poucos anos depois, José morre, sem deixar testamento.
Como
será feita a partilha de bens? Os herdeiros são os filhos ou Maria também tem
direito à herança? De acordo com o Código Civil e antes da última decisão do
STF, a partilha
seria feita da seguinte forma:
1.
Os bens particulares (o apartamento que José tinha antes da união estável com
Maria) seriam partilhados apenas para os dois filhos (50% para cada um). Maria
só teria direito a herdar os bens particulares de
José se não houvesse outros herdeiros.
2.
Os bens comuns (a casa comprada durante a união estável) são propriedade de
ambos os companheiros. Assim, metade desses bens continuaria sendo da Maria (é
a chamada meação). A outra metade, a parte que pertencia a José, seria herdada
por ela e os dois filhos, 1/3 para cada um.
Para
apimentar (e complicar) um pouco a história, vale dizer que a regra se aplica
somente no caso de os filhos serem do casal. Se os filhos fossem apenas de
José, com outra mulher, Maria ficaria com metade do que cada filho teria
direito, ou seja, dos 50% que pertenciam a José, cada filho herdaria 20%, e
Maria, 10%.
Como
o artigo 1.790 foi declarado inconstitucional pelo STF, no caso de morte, a
partilha para os companheiros agora deve seguir a mesma regra da partilha para
os cônjuges, como prevê o artigo 1.829 do Código Civil. Assim, no caso de José
e Maria, a partilha será:
1.
O apartamento de José (bem particular) será partilhado entre Maria e os dois
filhos, 1/3 para cada um.
2.
A casa comprada durante a união estável (bem comum) será partilhada da seguinte
forma: Maria terá direito a 50% por meação. A outra metade será partilhada
apenas entre os dois filhos, ou seja, cada um herdará 25% da casa. Importante
dizer que não faz diferença se os filhos são do casal ou apenas do companheiro
que morreu.
E
se em vez de morte e herança a história fosse sobre um casal que decide se
separar? Nesse caso, a partilha será feita de acordo com a regra anterior, já
que a decisão do Supremo não trouxe alteração para a partilha por dissolução da
união estável. Se estão todos vivos, porém separados, a partilha seria a
seguinte:
1.
o apartamento continua sendo apenas de José;
2.
a casa será partilhada apenas entre José e Maria, 50% para cada um.
Outra
coisa interessante, sinais dos tempos modernos, a decisão se aplica tanto a
casais heteroafetivos quanto homoafetivos. E, como não sou autoridade no
assunto, agradeço à advogada Luciana Pantaroto pela revisão técnica deste
artigo.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer
com Meu Dinheiro'.
Fonte: coluna jornal FSP