O impacto econômico da saúde feminina
A desigualdade na saúde feminina representa um dos maiores
desafios globais para a saúde pública e privada, com impacto direto na
qualidade de vida das mulheres e consequências econômicas significativas.
Estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras
instituições apontam que essa lacuna, embora em parte atribuída a fatores
biológicos, é amplificada por questões sociais, econômicas e estruturais.
De acordo com o relatório da OMS sobre desigualdades de gênero
na saúde, as mulheres vivem, em média, 25% mais tempo em condições debilitantes
do que os homens, o que se traduz em uma perda global anual de 75 milhões de
anos ajustados por incapacidade (DALYs*).
Essa diferença não apenas limita o
potencial produtivo de milhões de mulheres, mas também representa uma barreira
significativa ao desenvolvimento econômico global.
A negligência histórica de condições que afetam
predominantemente as mulheres está entre as principais causas dessa
desigualdade, conforme destacado em estudos conduzidos pela Harvard Medical
School e no relatório de 2023 da Fundação Gates.
Doenças como insuficiência
cardíaca, câncer de mama e endometriose respondem por um terço das
incapacidades vividas por mulheres globalmente.
A endometriose, por exemplo, afeta cerca de 10% das mulheres em
idade reprodutiva, conforme os dados da Sociedade Europeia de Reprodução Humana
e Embriologia (ESHRE).
Apesar de sua prevalência e das dores crônicas e
infertilidade que pode causar, essa doença permanece subestimada tanto em
termos de financiamento quanto de pesquisa.
Doenças cardiovasculares, que segundo a American Heart
Association (AHA) são a principal causa de morte entre mulheres no mundo,
também enfrentam problemas de subdiagnóstico e tratamentos inadequados.
A falta
de conscientização sobre os sintomas em mulheres e a ausência de diretrizes
específicas de gênero contribuem para diagnósticos tardios, conforme apontado
no relatório da OMS de 2021.
A falta de dados segregados por gênero, destacada pela Fundação
das Nações Unidas para a População (UNFPA), é um dos maiores entraves à criação
de políticas públicas efetivas.
Sem informações confiáveis, muitas condições
que afetam mulheres permanecem invisíveis, dificultando a formulação de
soluções adequadas.
Um exemplo claro é o câncer cervical, que pode ser amplamente
prevenível por meio de vacinação e exames regulares.
Ainda assim, continua
sendo uma das principais causas de mortalidade feminina, especialmente em
países de baixa renda, onde o acesso a programas de prevenção e serviços de
saúde é limitado.
Além das condições de longo prazo, outras doenças que impactam
diretamente a qualidade de vida, como a síndrome pré-menstrual, enxaquecas e os
efeitos da menopausa, também recebem pouca atenção científica.
Segundo a
Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), condições como enxaquecas
afetam desproporcionalmente as mulheres, mas permanecem subvalorizadas no
financiamento de pesquisas.
O relatório de 2022 da Fundação Gates destaca que, apesar do
impacto significativo de condições como endometriose e menopausa, os avanços em
medicamentos e tecnologias voltadas para a saúde feminina são muito mais lentos
do que em outras áreas da medicina.
Essa negligência histórica reforça a
necessidade de maior investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Especialistas ouvidos pela The Lancet apontam que a solução
passa por aumentar o financiamento em saúde feminina, não apenas no campo da
pesquisa, mas também na formulação de políticas públicas que priorizem as
mulheres.
Parcerias entre governos, instituições acadêmicas e o setor privado
são vistas como fundamentais para promover avanços concretos, tanto no acesso
quanto na inovação.
O programa global de vacinação contra o HPV, promovido pela OMS
e outras instituições, é um exemplo de sucesso. Segundo dados da International
Agency for Research on Cancer (IARC), esses programas reduziram
significativamente a incidência de câncer cervical em diversos países.
Esse
modelo de prevenção e intervenção pode ser replicado em outras áreas da saúde
feminina para alcançar resultados semelhantes.
Além disso, a UN Women reforça a importância da coleta de dados
detalhados, com recorte por gênero, idade e localização, como uma prioridade
para o desenvolvimento de estratégias de saúde mais personalizadas.
Sem essa
base de informações, lacunas importantes permanecem ocultas, perpetuando ciclos
de desigualdade e negligência.
A Fundação Gates e a OMS também enfatizam o impacto econômico
positivo de investir na saúde feminina. Reduzir as desigualdades poderia evitar
milhões de mortes, ao mesmo tempo em que geraria economias bilionárias para
sistemas de saúde.
Além disso, melhorias na saúde das mulheres aumentam a
produtividade e promovem o crescimento econômico global, criando um ciclo
virtuoso de desenvolvimento sustentável.
Conforme destacado em uma pesquisa da Universidade de Oxford, a
transformação cultural é um elemento indispensável para resolver essa lacuna.
Campanhas de conscientização que abordem estigmas relacionados à saúde feminina
e incentivem as mulheres a buscar atendimento médico são fundamentais para
promover mudanças duradouras.
As desigualdades apontadas também têm consequências profundas
sobre a tarifação de planos de saúde, especialmente sob a perspectiva atuarial.
Segundo o relatório de 2021 da Sociedade de Atuários dos Estados Unidos (SOA),
a ausência de informações específicas sobre condições que afetam
majoritariamente as mulheres leva a uma tarifação menos precisa e,
principalmente, dificultam a atuação e desenvolvimento de programas eficientes
de prevenção.
Além disso, os altos índices de subdiagnósticos, como doenças
cardiovasculares e endometriose, aumentam as incertezas na análise de risco
atuarial, exigindo margens de segurança mais conservadoras, o que encarece os
valores finais calculados.
De acordo com o relatório de 2022 da OMS, os custos
para tratar condições em estágios avançados podem ser até cinco vezes maiores
do que os custos de prevenção.
Investir na saúde das mulheres é mais do que uma questão de
equidade; é uma oportunidade de construir um futuro mais saudável, justo e
próspero para todos.
As evidências mostram que, com financiamento adequado,
estratégias bem estruturadas e parcerias globais, avanços significativos podem
ser alcançados.
O compromisso de priorizar a saúde feminina é, portanto,
essencial para garantir um progresso sustentável e equitativo no século XXI.
*O índice DALY (Disability-Adjusted Life Year) é uma métrica de
saúde global criada para medir o impacto total de doenças e condições sobre uma
população, combinando os anos de vida perdidos por morte prematura e os anos
vividos com incapacidade ou doença.
Ele reflete a carga total de uma
enfermidade, expressando, em anos, a perda de saúde plena em comparação a uma
expectativa de vida ideal: por exemplo, se uma pessoa vive com uma condição
debilitante que reduz sua qualidade de vida pela metade por 10 anos, isso seria
equivalente a 5 DALYs.
Essa métrica é amplamente utilizada para priorizar
intervenções de saúde pública e avaliar quais doenças causam maior impacto em
termos de mortalidade e incapacidade.
ANDREA MENTE - atuária e sócia da Assistants
Consultoria.