De onde vêm os números negativos?
Talvez
por causa da influência grega o Ocidente ficou para trás no uso desses números.
Escrevendo sobre a resolução da equação cúbica pelos
matemáticos renascentistas italianos Scipione del Ferro, Niccolò Tartaglia e
Gerolamo Cardano, mencionei que uma das dificuldades era que na época os
números negativos ainda não tinham sido descobertos.
Um leitor me escreveu
questionando o adjetivo: em sua opinião, a matemática seria criada pela
humanidade, e não descoberta.
Essa é uma discussão filosófica fascinante, que
está longe de ser resolvida: há bons argumentos a favor de ambas as posições.
A
maioria dos matemáticos, incluindo eu próprio, acredita que as ideias
matemáticas têm, sim, existência própria no tecido do universo, e o nosso
trabalho consiste em descobri-las.
Nesse sentido, a matemática é também uma
ciência experimental.
Uma exceção foi o alemão Leopold Kronecker
(1823–1891). Em discurso de 1860, ele afirmou que “os números inteiros foram
criados pelo senhor Deus, tudo mais é criação dos homens”.
Mas ele era um caso
extremo: também criticou o colega Ferdinand von Lindemann (1852–1939) por ter
provado que π é número transcendente: “para que estudar tais questões se os
números irracionais nem sequer existem?”
Os números naturais (inteiros positivos) estiveram
desde sempre ligados à operação de contagem.
Outra operação importante, a
medição, conduziu aos números racionais, dados pelas frações de números
naturais.
Na Grécia antiga, o avanço da geometria, particularmente o teorema de Pitágoras, já exigiu outra
expansão da ideia de número, para incluir os chamados números irracionais.
Pausa para lamentar que os nomes dos conjuntos de
números sejam tão desastrados: as frações não são nem mais nem menos
"racionais" que os demais números. Infelizmente, o desastre da
terminologia não parou por aí, como veremos depois.
Os gregos, tal como seus antecessores mesopotâmios
e egípcios, pensavam apenas em números positivos. Diofanto (200–284 a.C.)
considerava “absurdas” as soluções negativas de equações.
Os “Nove capítulos da arte matemática”, publicados na China por
volta do ano 200, contêm o primeiro uso documentado dos números negativos: eles
são representados usando símbolos em vermelho, como no Excel!
Cem anos depois,
os matemáticos chineses já somavam e subtraíam números negativos. A partir do
século 7, indianos e árabes conheciam também as regras para multiplicação e
divisão.
Devido, talvez, à influência grega, nisso aí o Ocidente ficou
para trás.
Marcelo
Viana - Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.