A realidade paralela das redes sociais
Sem
punição a quem gerar fake news, os ataques à democracia continuarão.
Enquanto os grandes líderes mundiais reconhecem a
legitimidade das eleições de 2022, a vida de muitos brasileiros
segue prejudicada por quem não aceita seu resultado.
E sem punir quem gera
desinformação em redes sociais, os ataques à democracia continuarão.
A adoção de uma nova tecnologia acontece em fases.
Como o rádio. Uma coisa foi a comunicação entre os primeiros adeptos, que
usavam o radiotransmissor para mandar e receber mensagens entre conhecidos.
Outra foi a comunicação inaugurada com a radiodifusão e a comunicação em massa,
quando as pessoas passaram a ter receptores em casa, o aparelho de rádio pelo
qual só podem ouvir sem responder.
As redes sociais online passaram pelo mesmo.
Enquanto incipientes, com usuários entre os mais educados e com mais acesso à
tecnologia, elas foram o meio onde surgiram iniciativas de comunicação
descentralizadas, quando movimentos como a Primavera Árabe de 2010 inspiraram a
noção de que um iluminismo digital mudaria o mundo, trazendo educação e a
verdade para todos.
Com a entrada de bilhões de usuários, as redes
sociais viraram algo bem diferente. Aqui, isso aconteceu com a adoção em massa
do celular.
Chegamos a 280 milhões de
chips de celular em 2014, mais de um por brasileiro. Um grande motivador dessa
popularização foi o WhatsApp, instalado em 99% dos celulares, segundo a
pesquisa Mensageria no Brasil.
Não temos celular, temos número de Zap. Em parte, porque contornava o custo por SMS.
Em parte, pois mensagens de voz são mais
acessíveis a quem é parcialmente alfabetizado. E muito pelo efeito de redes
sociais onde cada novo usuário torna mais importante e valioso participar
também.
Serviços, vendas, pagamento, atendimento, entregas, briga de
familiares, tudo isso já podia ser feito pelo Zap antes da pandemia.
Essa massificação aconteceu em um país com um
consumo de notícias bem particular.
Desde 2013, quando o Reuters Institute da
universidade de Oxford começou a publicar sobre o consumo de notícias no Digital News Report,
sabemos que o Brasil é um dos países que mais consomem notícias via redes
sociais.
Brasileiros estão entre os consumidores que mais buscam notícias com
opiniões politicamente alinhadas e entre os mais proativos —que mais comentam e
compartilham.
Também estamos
entre os que mais fazem isso em grupos de WhatsApp e Facebook. Somos um dos
países que têm o maior consumo de informação em grupos de estranhos nessas
redes, o meio onde a informação hiperpartidária mais prospera.
E onde o mito do
tratamento precoce foi bem difundido em 2021. Somos grandes consumidores
sociais de informação, mesmo que venha originalmente de uma mídia tradicional.
Esse consumo ainda pode florescer em um meio bem
isolado. Para milhões de brasileiros com um plano pré-pago que inclui WhatsApp
grátis, sem créditos, só o conteúdo de dentro do Zap é acessível.
Não adianta
clicar nem em links para fora da rede, que não vão carregar. WhatsApp é a única
realidade de muitos.
Uma tendência reforçada e explorada pelo ciclo da mentira
atual, que conta com vídeos, áudios e prints externos compartilhados dentro de
grupos, contando com a possibilidade de serem a única fonte de informação de
quem acompanha notícias aí.
O potencial de manter realidades paralelas nesse
meio é enorme.
Conforme as mídias tradicionais transitaram de
redes sociais para meios de comunicação em massa, todas, jornais, rádio e
televisão, foram cercadas e reguladas.
Era claro para os governantes que todos
esses meios tinham um alcance grande demais para serem usados sem
responsabilização.
Vivemos uma transição dessas, onde redes sociais se tornaram
meios de comunicação em massa —meios de desinformação em massa, em muitos
casos.
Sem a responsabilização para quem faz isso, mesmo
que o resultado dessa eleição seja aceito, os meios para questionar qualquer
eleição futura (ou a próxima pandemia) continuam funcionando.
Como as
conspirações do culto qanon contra a eleição do atual presidente dos EUA, que
prevalecem circulando em outras redes sociais.
E como mostra o caso de Nancy Pelosi, política
também dos EUA que teve seu marido atacado em casa com uma martelada na cabeça
desferida por um conspiracionista que gritava por ela, mesmo figuras de alto
escalão correm risco.
ATILA IAMARINO - doutor
em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale