Jornalistas costumam usar
efemérides como gancho ou motivação para publicar boas matérias de análise
histórica.
Nesse aspecto, 2015 nos trará
um banquete de possíveis pautas baseadas em datas significativas e
interessantes que completam, por exemplo, 25 anos neste novo ano. Dou aqui
cinco exemplos:
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Projeto Genoma – O ano
de 1990 marcou o início desse projeto mundial que ao longo da nova década iria
estudar o DNA humano e mapear todos os seus genes, tanto do ponto de vista
físico como funcional.
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Nelson Mandela – No
dia 11 fevereiro daquele ano, era libertado esse líder sul-africano Nelson
Mandela, depois de 27 anos de prisão, por sua luta contra o apartheid.
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Telescópio Espacial Hubble – No
dia 24 de abril, a bordo do ônibus espacial Discovery, é lançado esse
telescópio espacial que revolucionará nosso conhecimento do universo.
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Reunificação da Alemanha – Em
outubro de 1990, menos de um ano após a queda do Muro de Berlim, começa o
processo de reunificação da Alemanha. A Estônia, Letônia e Lituânia
reconquistam sua independência.
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Internet – E por
último, mas não menos importante, Tim Berners-Lee anuncia em dezembro de 1990 a
criação da rede mundial WWW, que marca o nascimento da internet, como a
conhecemos.
Curiosamente, temos aí dois
eventos essencialmente políticos e três científico-tecnológicos. Não tenho
dúvida em afirmar que a maioria dos jornalistas concorde em que esses cinco
eventos tenham sido os mais importantes de 1990. Até porque eles tiveram – e
ainda terão –múltiplos desdobramentos econômicos e culturais, em especial, nas
comunicações. É o que pretendo discutir aqui.
Um
tsunami de informações
Comecemos pelo Big Data,
conceito que designa essa massa de dados e informações que inunda o dia a dia
do cidadão do século 21. Talvez por ser uma expressão muito recente – pois foi
definida em 2012 pelos consultores de tecnologia da informação do Grupo Gartner
– o Big Data ainda não é bem compreendido pela maioria das pessoas.
Diante dessa massa sufocante
de informações e dados, cabe hoje ao jornalista, essencialmente, o mesmo papel
que lhe cabia no passado, quando tinha que selecionar, hierarquizar e escolher
o que lhe parecesse mais relevante, mas entre um número muito menor de opções
ou alternativas. A questão essencial é de complexidade. Para sua sorte, as
grandes corporações, já começam a aprender a extrair do Big Data a parcela de
informação útil e a pôr de lado tudo que, naquele momento, pode ser
dispensável.
Tenho a impressão de que nós,
jornalistas, ainda não percebemos com a devida precisão as mudanças radicais
ocorridas nas comunicações nos últimos 25 anos, que, entre tantas mudanças,
conduzem, de um lado, ao desaparecimento progressivo de revistas e jornais
impressos, formatos relevantes do jornalismo do passado, e, de outro,
consolidam a conectividade e a mobilidade das comunicações em escala global.
Não se trata mais de nichos
interessantes. Mais de dois bilhões de pessoas já se comunicam via internet em
todo o planeta, seja via computador, seja via celular. A maioria desses
cidadãos acessa as redes sociais, o conteúdo de jornais e revistas, sites de
universidades, instituições como a NASA ou organizações para nós totalmente
desconhecidas. Consultam sites de busca, indexadores do conhecimento ou
enciclopédias como a Wikipédia ou fazem cursos à distância nas mais famosas
universidades.
A
humanidade vive nas últimas décadas uma explosão crescente da produção e da
circulação de informações em tempo real,anywhere eanytime –
viabilizada pela expansão global da internet e das comunicações móveis, das
redes de banda larga, dos sistemas de fibras ópticas, de satélites e de cabos
submarinos que ninguém vê.
O mundo tem hoje 7,5 bilhões
de celulares em serviço, número equivalente à população do planeta. Nenhum
outro bem tecnológico – nem rádio, nem TV, nem refrigerador ou automóvel – se
expandiu de forma tão ampla e alcançou tal grau de universalização ao longo da
história. E não estão incluídos aí outros dispositivos móveis de comunicação,
como tablets ou laptops.
E para surpresa dos céticos,
o Brasil é hoje o quarto mercado do mundo em comunicações móveis, com a
densidade média de 140 celulares para cada 100 habitantes. Lembremos, contudo,
que mesmo em três países muito pobres da África – como Botswana, Gabão e
Namíbia – o número de celulares em serviço já supera a população, segundo dados
da ONU.
O mais triste ainda é que
essa mesma ONU nos diz que, dos 7,5 bilhões de habitantes do planeta, quase 2
bilhões ainda não usam escova de dentes nem dispõem de água potável.
Embora o mundo de 2015 seja
radicalmente diferente do de 1990, a maioria dos cidadãos não parece ter
percebido essas mudanças em toda a sua pujança. No futuro, algum historiador
talvez exclame: “Que diferença fizeram esses 25 anos”. No entanto, nenhum
jornalista ou mesmo especialista seria levado a sério se previsse que, em duas
décadas e meia, o mundo seria inundado por esse oceano de dispositivos de
comunicação e de informação. A ideia do Big Data que hoje vivemos não passaria
de ficção remota em 1990.
Aceleração
das notícias
O mais impressionante
atualmente é a velocidade de circulação das notícias. Quando comparamos com o
passado, tudo fica mais claro. A carta de Pero Vaz de Caminha, que relatava a
descoberta do Brasil, só chegou às mãos do rei D. Manuel, 44 dias depois.
Aliás, as grandes navegações dos séculos 15 e 16 são filhas das grandes
invenções. Em outras palavras, as descobertas de Colombo, Vasco da Gama e
Cabral só se tornaram viáveis graças a inovações tecnológicas como a bússola, o
astrolábio e a própria caravela.
Três séculos depois, a partir
de 1844, com o telégrafo de Morse e os primeiros cabos submarinos, a velocidade
das comunicações dá saltos impressionantes. Basta ver o que acontece na
passagem de 1865 para 1866. A notícia do assassinato de Abraham Lincoln, por
exemplo, ocorrida em 15 de abril de 1865, leva 12 dias para chegar à Inglaterra
já que os jornais norte-americanos eram fisicamente transportados pelos navios
que cruzavam o Atlântico Norte.
Um ano depois, em 1866, com a
instalação do primeiro cabo submarino telegráfico transatlântico realmente bem
sucedido, as comunicações entre a América e a Europa ganham uma rapidez até
então impensável, pois as notícias transmitidas de Baltimore, na costa leste
dos Estados Unidos, para Southampton, na Inglaterra, agora podem cruzar o
Atlântico em menos de um minuto.
Big
Data diante de meus olhos
Em geral, o jornalista não
costuma refletir sobre as mudanças tecnológicas quase cotidianas que
transformam seu trabalho profissional. Por isso, peço licença para relatar
sobre minha própria experiência.
Tomo como exemplo um dia, ao
acaso, como foi para mim o sábado, 29 de novembro de 2014 – um dia, talvez,
semelhante ao de milhões de outros cidadãos – para entender praticamente o Big
Data das comunicações e o novo jornalismo eletrônico deste início do século 21.
Como faço quase todos os dias,
começo minha ronda matinal pelos jornais e revistas do mundo, por volta das 8
horas, diante do computador, que é, na verdade, minha janela para o mundo.
Minha
primeira leitura a vol d’oiseau se inicia pelas notícias do Estado
de S.Paulo.Sua manchete principal é: “Consumo perde fôlego após 11
anos e PIB mantém estagnação”. Quase tudo que vou ler nos jornais já vi na TV
na noite anterior ou na internet. Por isso, me detenho pouco tempo em outras
chamadas de primeira página. Em seguida, vou para a Folha
de S.Paulo, que traz a manchete “Haddad patina para reduzir em SP
espera por consulta médica”. Navego por outras notícias de primeira página e
vou para O Globo, cuja chamada
principal é esta: “Depoimento liga condenado do mensalão a doleiro preso na
Lava Jato”. Seleciono desses três jornais aquilo que vou ler mais tarde, em
especial alguns artigos.
Com
um clique, ganho o mundo e estou diante do New York Times, cuja
primeira página é a exata reprodução da edição impressa, com o título principal
sobre a surpreendente absolvição de Mubarak pelos tribunais egípcios.
Pergunto-me,
então: onde foi parar a primavera árabe que nos despertou tanta esperança? A
segunda notícia importante do grande jornal focaliza os protestos pela morte do
jovem negro por um policial branco, absolvido em júri em Ferguson. O jornal tem
muita coisa boa para ser lida mais tarde. Marco tudo isso e vou voltar, com
certeza.
No Washington
Postvejo destaques completamente diferentes: um sobre a Síria e
outro sobre os riscos do ebola.
Mais
um clique, e acesso as páginas eletrônicas do Financial Times.A grande
notícia desse jornal trata dos preços do petróleo (abaixo de US$ 70), mas
descubro uma chamada de primeira página que me atrai mais que tudo: “James
Watson to sell Nobel Prize medal”. Imaginem o que significa para esse cientista
que descobriu a estrutura do DNA em 1962 ter que vender a medalha do Prêmio
Nobel que lhe foi concedida? Watson sempre foi polêmico e diz ao FT que, há
muitos anos, vem sofrendo boicote mundial por ter expressado sua opinião de que
“os afrodescendentes são inferiores do ponto de vista intelectual e por
defender a teoria do QI (quociente intelectual), como indicador válido do grau
de inteligência humana”. A casa de leilão Christie’s lhe garante o mínimo de
US$ 2,5 milhões pela medalha. Acho que lhe basta.
Finalmente,
dou um giro por duas revistas de prestígio – NatureeThe Economist. A
primeira destaca as emissões de carbono e a mudança climática: “Global potential of biospheric carbon management forclimate mitigation“).
The
Economist, um padrão de bom jornalismo, traz matérias sobre a história da
França, fome e obesidade (com o título sugestivo de Feast and Famine – Banquete
(festim) e Fome; Ucrânia, a briga da União Europeia contra o Google (“Should
digital monopolies be broken up?”); e muitas outras chamadas, inclusive esta
sobre o Brasil: “Dilma changes course – The appointment of a capable econômic
team is good for Brazil but signals its president’s weakness”.
Assim
foi minha primeira hora diante do computador. Como é sábado e para aliviar
minha cabeça do peso das notícias negativas, decido assistir a um concerto da
Filarmônica de Berlim, da qual sou assinante via internet. Conecto o computador
ao home theater e escolho o histórico “Concerto para
os Cidadãos da Alemanha Oriental”, realizado alguns dias depois da queda do
Muro, em 1989, sob a regência de Daniel Barenboim. Mais do que a música, me
tocam a alegria e a emoção dos berlinenses nascidos do lado oriental que ouviam
pela primeira vez a grande orquestra de sua cidade. Quem poderia imaginar um
privilégio como esse, de ver e ouvir orquestras desse padrão pela internet em
qualquer lugar do planeta?
A experiência desta manhã de
sábado já me dá uma ideia bem clara do que é o desafio do Big Data nas
comunicações. E me suscita reflexões sobre o novo jornalismo que temos pela
frente.
Ethevaldo Siqueira -
jornalista especializado em Telecomunicações e Tecnologia da Informação, editor
do portal www.telequest.com.br e comentarista da Rádio CBN. Foi
professor de Tecnologia da Informação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (USP)
Fonte: site Observatório da Imprensa