Não há testes de Covid-19 para todos
os brasileiros.
O estado de São Paulo, por exemplo, hoje consegue testar 30 mil
pessoas por dia — 750 por milhão de habitantes.
É pouco e implica fazer
escolhas: é melhor concentrar os testes na capital? Em cidades pequenas? Onde é
mais eficaz testar a população?
O pesquisador Tiago Pereira, do
Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria da USP, usa a matemática
para encontrar essas respostas.
Junto a outros grupos de pesquisa da própria
USP, do IMPA, da FGV, da UFAL e da Unicamp, ele desenvolveu um modelo que cruza
dados de demografia e telefonia móvel para entender como as pessoas se
locomovem.
Compreendendo esse padrão, pode-se chegar à melhor forma de
distribuir os testes.
O objetivo é encontrar um protocolo de
testagem inteligente que, ao ajudar a reduzir a transmissão do vírus,
possibilite um retorno possível à normalidade, evitando, por exemplo, o
fechamento do comércio. Baseado nisso, o algoritmo decide para onde e quando
enviar os testes.
Fazer a vida voltar ao velho normal
se tornou um objetivo pessoal de Pereira: ele, que adora ir à universidade,
teve que transformar em escritório o quarto do filho de 5 anos.
Com três
crianças em casa, o tempo para trabalhar diminuiu, enquanto as obrigações
dobraram. “O trabalho aumentou quatro vezes”, ele brinca.
O modelo matemático funciona assim:
primeiro, faz uma predição de quais medidas o governo deveria tomar (por
exemplo, restringir a circulação de pessoas) caso ninguém fosse testado.
Depois, avalia quão mais eficiente se torna essa intervenção estatal em
diferentes modelos de distribuição dos testes.
Se os testes vão só para as cidades
pequenas, a eficiência em fazer a vida voltar ao normal sem prejudicar o
sistema de saúde aumenta 10%. Se vão só para a capital, 30%.
Caso se teste sob
demanda –ou seja, testam-se pessoas sintomáticas–, o aumento é de 35%. Com a
testagem inteligente, a taxa vai para 70%.
No início de dezembro, o grupo chegou
aos resultados dessa testagem inteligente.
O melhor protocolo é distribuir os
testes na região metropolitana de São Paulo –21não na capital, mas no seu
entorno. Assim, garante-se que pessoas de cidades menores que se dirigem à
capital não vão causar novas infecções.
“A conclusão pode parecer
contraintuitiva”, diz Pereira. “Não se espera que não testar na capital gere um
controle maior da pandemia.”
O modelo leva em conta não apenas
quantas pessoas moram em cada região e suas faixas etárias, mas também a
ocupação na UTI, pois a ideia é que a estratégia de testagem seja combinada à redistribuição
de leitos para evitar o colapso na saúde.
Se uma região está perto de 100% da
ocupação de leitos, a equação se autorresolve para realocar os testes para lá.
O trabalho deve ser publicado nas
próximas semanas. Essa, no entanto, não foi a primeira vez que o grupo usou a
modelagem matemática em estudos sobre a Covid-19.
No início da pandemia, buscaram uma forma de
otimizar o distanciamento social sem que todas as cidades tivessem de fechar ao
mesmo tempo. Também não será a última: os pesquisadores agora tentam
desenvolver um modelo que diga quem, onde e quando vacinar para acabar com o
coronavírus.
A missão não é fácil, pois o Brasil,
à diferença de países como Estados Unidos, Alemanha e França, não tem uma base
de dados chamada matriz de contato, que informa como as faixas etárias
conversam entre si (quantas crianças de 10 anos moram com idosos; quantos
adolescentes convivem nas escolas com pessoas de 50 anos, e por aí vai).
“Essa informação é fundamental para
saber por quem começar a vacinação”, explica. A matriz de mobilidade está
diretamente relacionada a aspectos culturais de um país.
Elas podem indicar que
não necessariamente o melhor é vacinar todo mundo com mais de 60 anos. Isso
depende de diversos fatores, entre eles a situação de leitos de UTI nas
cidades.
Por enquanto, os pesquisadores tentam
suprir essa lacuna por meio de análise estatística, ainda sem resultados definitivos.
Mas, ao que tudo indica, aqui eles também prometem ser contraintuitivos.
Clarice Cudischevitch - jornalista, gestora de Comunicação no Instituto
Serrapilheira e coordenadora do blog Ciência Fundamental.
Fonte: coluna jornal FSP