Acaba de ser lançado o novo
livro do escritor João Paulo Cuenca, uma das vozes mais interessantes da
literatura contemporânea. Chamado "Descobri que Estava Morto",
descreve a situação surreal trazida por um furto de identidade. No caso, a do
próprio autor. Cuenca teve de fato sua identidade furtada e usada para emitir
uma certidão de óbito para um cadáver que, obviamente, não era o dele. Em
outras palavras, descobriu um dia que estava legalmente morto.
Esse tipo de furto é um
problema não só para escritores cariocas, mas uma questão generalizada na
internet. Há uma epidemia global de pessoas que têm suas identidades furtadas
on-line e usadas em toda sorte de fraudes. A questão é tão séria que há uma
onda de empresas alegando proteger dados pessoais na rede. Por exemplo, a
norte-americana "AllClear ID". Em troca de um valor mensal, monitora
a identidade do usuário e verifica se não foi usada para fins não autorizados.
O problema é que empresas como
essa são mero paliativo. Não atacam as origens do problema e se tornam elas
mesmas pontos de ataque. O sonho qualquer criminoso é invadir o sistema de uma
companhia que é um oásis de informações sensíveis sobre seus clientes.
Para atacar o problema de fato
é preciso outra estratégia: adotar criptografia em todas as comunicações na
internet. A criptografia "embaralha" as comunicações na rede, de
ponta a ponta. Conteúdos enviados criptografados só podem ser lidos pelo
emissor e pelo destinatário. Quem tentar ler a informação no caminho encontra
apenas números e letras indecifráveis.
A criptografia generalizada
resolve ao menos três grandes problemas da internet: o furto de identidades, os
vazamentos de dados e a vigilância generalizada da era pós-Snowden. Entidades
como a EFF (Electronic Frontier Foundation), pioneira na discussão sobre
direitos na internet, vêm lançando campanhas que dizem: Encrypt Everything!
(criptografe tudo!).
Infelizmente, no Brasil tem
havido ataques à necessidade de se criptografar tudo. Na CPI dos Crimes
Cibernéticos houve manifestações pedindo justamente o contrário: que a
criptografia seja abolida. Tudo para facilitar a bisbilhotice de comunicações
privadas na internet. Ao atacar a criptografia em nome do combate a alguns
males, outras mazelas piores surgem de forma generalizada, expondo todos os
usuários da rede.
Nos EUA, país ainda marcado
pelo vigilantismo, o presidente Barack Obama declarou recentemente que apoia a
criptografia generalizada e sem possibilidade de ser quebrada, até mesmo por
autoridades de investigação (ou seja, sem as chamadas "backdoors"). O
Brasil precisa seguir os mesmos passos. Precisa proteger e apoiar o uso
generalizado da criptografia, sem "backdoors". Essa é a melhor forma
de se coibir o furto de identidade, o vigilantismo e o vazamento de dados
pessoais na internet. Tenho certeza de que o escritor João Paulo Cuenca irá
apoiar e agradecer.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org