Por que desconfiar dos números


A quem interessam dados falsos sobre a epidemia de coronavírus?

 

Na sábado (28), o Ministério da Saúde chefiado pelo médico e político Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) divulgava 3.904 infectados por coronavírus e 114 mortos. É um número falso.

Para ser honesto, não haveria como a cifra ser verdadeira. Nenhum país do mundo consegue testar toda a população para detectar quem, de fato, contraiu o Sars-CoV-2 e ficou assintomático, teve sintomas leves ou, mesmo internado com falta de ar séria, recebeu diagnóstico de pneumonia, sem menção à Covid-19.

O galho é que a desonestidade campeia no Brasil. Começando pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido além do próprio): diz que se submeteu a dois testes, cujos resultados anuncia negativos, mas não mostra documentos. A razão para sonegá-los todos sabem qual é –e não venham com a alegação debiloide de que é sigiloso.


O presidente Jair Bolsonaro recebe álcool em gel do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante conversa com jornalistas sobre a crise do coronavírus.

 

A quem pode interessar que prevaleçam dados falsos sobre a epidemia da síndrome Covid-19? Ao governante que, cercado por dezenas de auxiliares contaminados, descumpre recomendação médica universal de isolamento, vai a manifestação pública promover a contaminação e ainda estimula carreatas pela retomada das aulas e do comércio.

Estima-se que, para cada doente reconhecido pela pasta de Mandetta, haja outros nove casos não notificados. Ou seja, seriam hoje uns 40 mil enfermos no Brasil. Não há testes diagnósticos na quantidade necessária para mapear o terreno desconhecido e traçar um plano de batalha contra a epidemia.

O governo Bolsonaro promete 23 milhões de testes nos próximos meses. Cinco milhões deles chegariam até o fim de março, doados pela Vale, empresa desesperada por melhorar a própria imagem depois de Brumadinho.

Quem acredita nisso? Faltam só dois dias.

Não deve demorar para se comprovarem insuficientes os leitos de terapia intensiva e os aparelhos de respiração forçada disponíveis, em particular nos estados mais pobres e carentes desses equipamentos. Os idosos começarão a cair como moscas, mas não só eles. Já estão morrendo, provavelmente.

Este jornal noticiou na sexta-feira (27), em manchete, reportagem de Monica Bergamo dando conta de que o país passa por explosão de internações por insuficiência respiratória grave. O inverno não chegou, não há epidemia de gripe em curso, portanto a única explicação plausível é um surto não detectado de Covid-19.

Na semana em que o primeiro caso de coronavírus foi registrado no Brasil, a 25 de fevereiro, houve 662 pessoas internadas com tal quadro. Já era um número alto, pois a média histórica em fevereiro e março gira em torno de 250.

Pois bem, na semana entre 15 e 21 de março, a quantidade de hospitalizações por essa razão explodiu para 2.250, segundo acompanhamento de dados oficiais promovido pela Fiocruz. “Resfriadinhos”, como quer o presidente, não levam ninguém para a UTI.

Bolsonaro sacou um lema digno da ditadura militar que cultua, “O Brasil não pode parar”, para desafiar o coronavírus. Como o capitão Acab do romance “Moby Dick”, não larga o timão no rumo do naufrágio social e econômico, no delírio de derrotar inimigo mais poderoso que ele –um simples vírus, não a descomunal baleia branca.

Acabolsonaro, como poderia se chamar o capitão eleito para comandar a nau dos insensatos, corteja entrar para a história como genocida.​

Marcelo Leite - Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.

Fonte: coluna jornal FSP

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