Seu bebê nasceu. Ele é lindo e maravilhoso! Então, do que você
poderia estar se queixando, afinal? Seguem algumas pistas.
Primeiro, este bebê não é, e nem poderia ser, o bebê que você
estava esperando. Porque o bebê que você estava esperando sempre esteve e
continuará apenas na sua cabeça. Esqueça o ultrassom 3D mega hiper blaster,
imagem não é gente.
Você sonhou com um bebê e nasceu um estranho. Colocar este
impostor no lugar do tão sonhado bebê requer um trabalho de luto. Se você acha
que luto e nascimento não combinam, não se preocupe, toda nossa cultura insiste
em negar os lutos, não é só você. Mas, sim, o luto faz parte do encontro com o
recém-nascido. Não há nada de errado aí, só criamos falsas expectativas e
quanto antes assumirmos isso, mais fácil será essa inevitável passagem.
Estranhamos o bebê, como nossos pais nos estranharam até, com
sorte, se apaixonarem por nós. Não tem mágica. É no cuidado diário, na troca de
fralda, na alimentação (por mamadeira ou peito), no olho no olho que
o enlace amoroso pode acontecer.
Se você é a mãe biológica e é brasileira, tem quase 60% de
chance de estar se recuperando de uma cirurgia (chegando a 80% nas grandes
cidades), o que obviamente não combina com a tarefa extenuante de aleitar e
passar noites em claro cuidando de um bebê. Esse detalhe tem passado
despercebido quando se discute os escandalosos índices de cesarianas no Brasil.
A maioria das mães de bebês brasileiras, no momento mais frágil da maternidade,
estão no pós-operatório. Combina?
Em menos de 24 horas você já deve ter desconfiado que para o ser
humano, diferentemente dos demais mamíferos, o instinto não é suficiente. Isso
quer dizer que, a menos que você tenha tido experiência anterior cuidando de
irmãos menores ou filhos anteriores, não há como saber como cuidar de um bebê.
E ainda que tenha tido irmãos e filhos, o bebê que nasceu é singular e vai
demandar adaptações inéditas.
Mas é claro que você vai procurar ajuda e isso não falta. No
entanto, o melhor manual de puericultura está sempre para sair, junto com o
próximo iPhone. Então, pegue dicas com quem já fez, faça as adaptações
necessárias para você e seu bebê, apele por uma ajuda que respeite suas
escolhas. Ensaio e erro aqui são inevitáveis e o bebê dá dicas de que a coisa
vai bem ou não, dentro do possível.
Agora você e seu companheiro(a) têm como tarefa comum
responsabilizarem-se inteiramente pelo bebê. Se havia uma desigualdade de
incumbências entre vocês, esta será a hora da verdade, na qual as diferenças
podem incomodar. Prova de fogo que tem levado muitos ao divã e, por vezes, ao
divórcio.
Vale lembrar que, se em nossa cultura os meninos são criados sem
poder brincar de boneca ou casinha, é fácil constatar o quão desvirilizante
pode soar para um homem adulto cuidar de um bebê.
Por outro lado, ainda que se queixem da falta de apoio do
companheiro, as mulheres costumam se sentir ameaçadas como mães quando não dão
conta sozinhas dos filhos. A ambiguidade é o tom.
A lista é grande e não termina por aqui.
Então o que se perde quando se ganha um bebê? As ilusões, que só
atrapalham uma escolha que pode ser maravilhosa, mas nunca fácil.
Vera Iaconelli - psicanalista, fala sobre
relações entre pais e filhos, as mudanças de costumes e as novas famílias do
século 21
Fonte: coluna jornal FSP