FGTS é benefício ou custo?


A liberação dos recursos corrige distorções dessa poupança forçada

O avanço da reforma da Previdência nas últimas semanas abriu espaço para novas discussões na pauta econômica, como a liberação dos recursos das contas ativas e inativas do FGTS na ordem de R$ 30 bilhões.

O principal argumento para a liberação dos recursos do FGTS é o estímulo ao consumo, que dá ânimo à atividade econômica, ainda que de forma temporária. De acordo com alguns analistas, essa injeção de recursos poderia reforçar o crescimento em até 0,3 ponto percentual, elevando a projeção do PIB para 1,1% no ano.



O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) foi criado para servir como uma proteção ao trabalhador em caso de demissão sem justa causa, conforme explicação da Caixa Econômica Federal. Além de situações de demissão sem justa causa, o dinheiro do FGTS pode ser acessado por outras forma Gabriel Cabral - 24.jan.2019/Folhapress

Mais importante, e menos discutido, está o fato de que a liberação dos recursos do FGTS corrige distorções presentes no desenho e na implementação dessa poupança forçada. 

Pela regra atual, é obrigatório o recolhimento mensal de 8% do valor do salário dos trabalhadores em uma conta administrada pela Caixa. A principal finalidade dos recursos é indenizar os trabalhadores nas demissões sem justa causa —função histórica do FGTS.

Concebido em 1966 como alternativa à estabilidade decenal, o FGTS foi, na época, uma bem-vinda flexibilização à legislação trabalhista em vigor. Mas, desde então, não mais foi discutida, sendo incorporada à Constituição de 1988 como um direito trabalhista fundamental.

Mas será que os trabalhadores estão satisfeitos com essa poupança forçada? Na liberação de 2017, foram retiradas das contas inativas R$ 44 bilhões. De acordo com informações da Caixa, 88% do montante passível de saque foi exercido. 

A resposta do trabalhador foi bastante clara: ele não quer manter seu dinheiro na conta do FGTS. Não se sabe precisar se a retirada ocorre porque essa é uma poupança que o trabalhador não gostaria de fazer ou se os saques se justificam pela baixa taxa de retorno do FGTS.

É possível que, mesmo contra a vontade do trabalhador, se advogue a favor de políticas públicas que fortaleçam a taxa de poupança. O estímulo à poupança, não necessariamente compulsória, faz sentido em situações de baixa instrução financeira, difícil acesso bancário e percepções equivocadas sobre o futuro.

Mas fica difícil fazer no caso em que a poupança forçada é necessária para todos os trabalhadores, como no caso atual, uma vez que incluem mesmo os que possuem outras poupanças além do FGTS

Já o baixo retorno é certamente um grande custo aos donos das contas do FGTS e uma evidência objetiva de que o programa reflete muito mais do que a necessidade de prover seguro em situações adversas: é um instrumento impositivo do governo, ao qual não cabe escolha por parte do trabalhador, constituindo mecanismo de repressão financeira. 

Hoje, a rentabilidade nominal garantida aos depósitos do FGTS dos trabalhadores é de 3% ao ano, que, descontada a inflação, proporciona uma poupança forçada com um rendimento real negativo. Se houvesse a opção de remuneração a mercado, os trabalhadores valorizariam mais esse direito. Na verdade, o direito ao FGTS, defendido por muitos como uma grande garantia trabalhista, nada mais é que uma forma de taxar o trabalhador no diferencial dos retornos.

E a quem interessa a política do FGTS? A quem é financiado por ela, como a construção civil, já que a Caixa destina parte dos recursos do FGTS para o financiamento imobiliário. 

Não foi surpreendente ver toda a comoção do setor quando houve o anúncio da possível liberação do FGTS para os seus verdadeiros donos. O setor argumentou que a política poderia ser responsável pela demissão de 500 mil funcionários do Minha Casa Minha Vida. Mas faltou ser transparente e também dizer que alguém está pagando por isso —nesse caso, o próprio trabalhador brasileiro.

Cecilia Machado - economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV)

 

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