O artigo "O tiro saiu pela
culatra", que relata o infortúnio de milhares de brasileiros que compraram
ações da Petrobras com dinheiro do FGTS, deu o que falar.
Uma vizinha me abordou para
dizer que se identificou com a história. Conformada, tem dinheiro lá até hoje e
não pretende fazer nada a respeito. Uma amiga confessa que ficou maravilhada
com tanto dinheiro e, confiante de que a galinha continuaria a botar ovos de
ouro, deixou lá para render um pouco mais.
Um amigo diz que não vendeu
porque não precisava. Queria guardar para o futuro, para a aposentadoria, como
foi orientado. Alega ter recebido muito incentivo para comprar, mas ninguém
avisou quando era para vender. Esse foi o gatilho para o texto de hoje.
A recomendação de comprar ações
da Petrobras foi, de fato, ampla e generalizada. Falou-se muito em precaução
por se tratar de um investimento em renda variável.
Duvido que poucos tenham lido o
prospecto da operação, gigantesco e técnico, obrigatório em operações como
essa.
A maioria saiu do 8 (FGTS) para
o 80 (mercado de ações), sem nenhum preparo. A rentabilidade do FGTS era (ainda
é) tão ruim, que qualquer coisa parecia melhor.
O que a política pública, a mídia
e os consultores financeiros não fizeram foi alertar a população de que
investir em ações, de qualquer empresa, é diferente de investir em renda fixa,
na qual o dinheiro pode ficar "adormecido", recebendo juros por anos
a fio, se estiver em uma instituição financeira sólida. Comparar com o FGTS?!
Mais distante ainda.
Quando compramos ações nos
tornamos sócios da empresa acreditando que ela vai ganhar dinheiro nos próximos
anos e que o preço da ação vai se valorizar.
Entretanto, uma empresa que
hoje está bem posicionada, gerando lucros, amanhã pode não estar. Petrobras não
é o único —nem o último— caso de empresa que surpreende com uma trajetória
desfavorável, muito distinta da percebida por analistas financeiros, capazes de
avaliar somente fatos revelados, conhecidos, e supondo que a empresa terá
gestão competente e ética.
Quantas empresas grandes, com
histórico de muita lucratividade, deixaram o mercado? Tanto no mercado
internacional quanto no Brasil, são muitos os casos de empresas que não existem
mais. Muitas foram compradas, outras faliram. Daí a recomendação de
diversificar, de não concentrarmos o dinheiro em uma única empresa. Ué... mas
não foi exatamente isso o que o povo acabou fazendo?
Hora de vender? Ninguém, por
mais qualificado que seja, é capaz de prever o futuro e afirmar que está na
hora de vender. Então, como tomar a decisão de venda?
Que tal estabelecer um limite
de ganho e outro de perda? Os dois parâmetros sinalizam, racionalmente, a hora
de vender, esteja você ganhando ou perdendo.
Qual é a taxa de juros básica
da economia? Quanto você gostaria de ganhar acima dessa taxa para correr o
risco no mercado acionário? Qual a expectativa de valorização da ação em
"n" meses? 40%?
Estabeleça, com base nesse
raciocínio, a decisão de vender, realizando lucro, quando e se o investimento
valorizar 40%. Esse será seu limite de ganho, sem se importar ou se arrepender
da decisão, caso o preço da ação continue subindo. Primeiro coloque o lucro no
bolso. Depois, repense se quer entrar no mercado acionário de novo.
E se um fato novo surgir,
contrariando as expectativas, e o preço da ação cair? Antes de comprar pergunte
a si mesmo quanto está disposto a perder se tudo der errado.
Suponha que 10% do capital
investido seja seu limite de perda. Se e quando a perda atingir 10%, venda as
ações. Se não tiver coragem, deixe ordem expressa que seu corretor executa a
ordem para você.
Isso feito, analise o novo
contexto e repense, friamente, a decisão de retomar ou não o investimento.
Na teoria tudo parece lógico e
fácil, mas as evidências demonstram que, na prática, a teoria não se aplica. Os
vieses comportamentais demonstram que agimos irracionalmente na hora de tomar
decisões.
Programar a venda para realizar
o lucro ou a perda é uma forma de colocar a emoção de lado e deixar a decisão
lógica, tomada no momento da compra, imperar.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de
Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que
fazer com meu dinheiro" (Trevisan Editora, 2014).
Fonte:
coluna no jornal FSP