Para ganhar uma eleição majoritária hoje a fórmula nem é
tão complicada.
O primeiro passo é articular uma narrativa política. Ela
precisa ser parecida com os grandes universos ficcionais contemporâneos, no
estilo “Game of Thrones” ou “Senhor dos Anéis”. É preciso criar personagens,
contar a estória da origem de cada um, de onde vieram, quais crimes ou batalhas
travaram para estarem onde estão. É preciso também escolher inimigos que sejam
bons de odiar. O melhor inimigo é aquele que dá gosto de zombar.
O segundo ponto é que essa narrativa precisa ser
destilada na linguagem mais simplista possível. O objetivo é que possa ser
repetida à exaustão por qualquer pessoa, independentemente do nível
educacional. Para isso é fundamental articular sentimentos básicos, como raiva,
medo, insegurança, fé.
O terceiro elemento diz respeito à mídia. Para essa
narrativa simplista se disseminar amplamente é preciso que as formas de
comunicação sejam as mais atomizadas e anônimas possíveis. Quanto menos
responsabilidade editorial ou informações sobre autoria melhor. O objetivo é
que tudo seja apócrifo, dando impressão de que tudo surgiu espontaneamente do
povo.
No
entanto, na prática tudo é divulgado com o uso intensivo de robôs e perfis
falsos, dando a impressão de que há uma multidão de pessoas falando sobre
aquilo, quando não há.
O
caso brasileiro é emblemático. Como mostrou um estudo da Universidade de Oxford
conduzido pelo pesquisador Dan Arnaudo, as eleições de 2014 inauguraram no país
o uso de robôs, perfis falsos e propaganda computacional.
O
problema é que, encerrado o ciclo eleitoral, esses robôs nunca foram
desligados. Com isso, o país vem sendo bombardeado há quatro anos de forma
incessante com conteúdo inflamatório produzido e articulado por grupos
antagônicos. O resultado está aí.
Esses
grupos que inicialmente se valem de robôs e propaganda computacional vão então
conseguindo infectar pessoas reais, que aprendem a “falar a língua” da
narrativa forjada por eles.
Como
a linguagem é simples, passam a repeti-la como um papagaio, sem
questionamentos. Tudo vai sendo passado adiante como um vírus. Quem é infectado
sente orgulho, como se cada uma daquelas ideias fosse genuinamente sua.
Politicamente,
os objetivos são claros: criar conceitos-choque que buscam neutralizar e
desacreditar todo e qualquer discurso opositor. Mais do que isso, quem vê
outras pessoas repetindo as mesmas coisas que si passa a ter a ilusão de
pertencer a uma comunidade imaginária, preenchendo assim a busca por sentido ou
afeto com propaganda.
O
problema é que essa forma de fazer política, tal como os livros de “Game of
Thrones”, consiste na articulação de uma ficção desacoplada da realidade. Ela é
inapta para debater problemas nacionais ou globais, quanto mais resolvê-los.
Por isso mesmo põe em risco a democracia.
Como
disse McLuhan em 1969, “as novas mídias não são meios pelos quais nos
relacionamos com a realidade. Elas são a realidade”. Estamos fazendo política
como quem constrói um castelo na areia da praia. E acreditando que poderemos
morar nele.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro