Por que
a maioria das escolas não quer ouvir seus alunos, preferindo resolver e tratar
com os pais as situações difíceis que os alunos criam ou enfrentam no espaço
escolar? Por que não considera os argumentos, posições e opiniões daqueles que
são o foco de seu trabalho?
O
alunado não tem voz nas escolas, a não ser para dizer o que a escola quer
ouvir, e apenas quando ela pede que seja dito. Exatamente como há 10, 50, 100
anos atrás. O pior é que a maioria das famílias quer que seja assim!
Quase
todos esperam as inovações tecnológicas com ansiedade. Carros, celulares,
computadores, aparelhos eletrônicos domésticos, móveis e peças de vestuário,
por exemplo, não devem continuar a ser sempre os mesmos: esperamos que
melhorem, que tragam novidades, avanços. Estamos no século 21, afinal!
Mas
esse raciocínio não se aplica ao trabalho, ao funcionamento e à organização
escolar. É uma minoria de pais que estranha, por exemplo, que a escola os chame
para tentar resolver questões da vida de seus filhos, que são alunos da escola.
A mãe
de uma jovem que frequenta o ensino médio me escreveu para contar que, num dia
de prova, a filha passou muito mal, com intoxicação alimentar. A garota, aluna
dedicada, ligou para a escola, explicou o que estava ocorrendo e solicitou uma
nova data para realizar a prova. Recebeu uma resposta negativa.
A mãe
ficou zangada com a filha por ela ter decidido fazer isso sem consultá-la, foi
à escola e, segundo ela mesma, "consertou" a situação, ou seja, a
garota pode fazer a prova num outro dia. Depois, pensando melhor, essa mãe me
escreveu perguntando se, já que a escola a tinha ouvido, não deveria ter antes
ouvido sua aluna?
Outra
mãe de aluna, esta já indignada, também escreveu para dizer que sua filha
transgrediu uma regra do espaço escolar com outras colegas, e a direção
convocou os pais de todas elas para comunicar a suspensão por três dias. Essa
mãe estava ciente do ocorrido, mas pediu que as alunas estivessem presentes
nessa reunião, e ouviu a direção dizer que aquela não era uma conversa para ter
com as alunas, e sim com seus pais. E os demais pais presentes concordaram!
A vida
escolar deveria ser tratada e resolvida entre alunos e escola. Diretamente, sem
intermediações.
Por que
colocar os pais no meio disso, ou melhor, por que eleger os pais como os
personagens principais para tratar o que deveria ser tratado, negociado e
resolvido diretamente com os alunos?
E ainda
temos de ouvir discursos das escolas de que elas educam para a autonomia, o
protagonismo, a cidadania, blá-blá-blá! Ora, como praticar essa educação
chamando os pais para resolver os problemas?
Um
grande número de crianças e jovens estão sendo criados pelas famílias e pelas
escolas para que sejam dependentes, isso sim. De um lado, as escolas chamando
os pais e contando tudo o que lá acontece com os alunos. Do outro, pais que
esperam que seja assim mesmo e que reclamam quando isso não ocorre. Até nos
cursos de graduação os pais são chamados!
Nossa
sorte é que temos famílias –poucas, ainda– que não pensam assim, e crianças e
jovens que não aceitam essa posição de passividade imposta e que, de um modo ou
de outro, conseguem expressar que sua presença é a mais valiosa na escola, não
a de seus pais.
Rosely
Sayão – psicóloga e consultora em educação
Fonte:
caderno cotidiano / jornal FSP