O problema de ter muitos neurônios para pouca energia


O problema de ter muitos neurônios para pouca energia

Quem planejasse uma cidade como o cérebro deveria ser demitido.

Há duas semanas que discorro sobre minha descoberta mais recente: a dupla restrição da economia energética do cérebro pela entrada de sangue em fluxo constante pela artéria carótida interna, e pela distribuição local, limitada pela densidade de capilares no cérebro.

Se a carótida interna é a rodovia de acesso por onde passam todos os carros em fluxo constante pela cidade do cérebro, os capilares são os veículos, distribuidores exclusivos de toda a comida e água a cada uma das casas à beira de todas as ruas.

Nosso paradigma de uma economia energética cerebral limitada, elaborado com meu colaborador da Universidade Yale, Douglas Rothman, explica várias questões em aberto da neurociência, de por que não é possível dedicar atenção a duas coisas ao mesmo tempo a por que mesmo pequenos "acidentes vasculares" no cérebro são tão problemáticos.

Agora, por que algumas partes do cérebro parecem ser tão mais susceptíveis a esses pequenos acidentes vasculares do que outras? 

Por que, por exemplo, perda de memória recente e perda de equilíbrio e coordenação são tão comuns em caso de isquemias cerebrais, quando certas ruas ou avenidas do cérebro ficam temporariamente bloqueadas?

Porque o número de casas servidas pelas ruas do cérebro varia enormemente, conforme o segundo estudo que acabo de publicar na mesma edição da revista Frontiers in Integrative Neuroscience, e onde há mais casas disputando os mesmos recursos trazidos por um número limitado de carros, o risco do bairro sofrer as consequências de um bloqueio é especialmente grande.

O estudo, conduzido pela pós-doutoranda brasileira Lissa Ventura-Antunes em meu laboratório, demonstrou que, no cérebro do rato, pequenas variações locais em densidade de capilares correspondem a variações proporcionais em fluxo de sangue e consumo de energia no cérebro em repouso. 

Ou seja: a densidade de ruas de fato prediz a taxa de aporte de recursos aos bairros do cérebro.

Essa densidade de ruas —os capilares— não é proporcional à densidade de casas —os neurônios— em cada bairro. 

É um arranjo que faz pouquíssimo sentido teleológico: quem planejasse uma cidade assim deveria ser demitido.

A razão é que nos bairros densos, com mais casas necessariamente menores entre as ruas de mesma densidade, cada casa recebe menos recursos. 

Portanto, em bairros com mais casas por rua, cada casa fica mais vulnerável a possíveis períodos de escassez, e o risco de colapso do bairro é maior.

Que bairros descobrimos ter mais casas por rua, ou neurônios por capilar? 

O córtex do hipocampo e do cerebelo, justamente dois alvos preferenciais de isquemias cerebrais.

Adoraria poder reclamar na gerência e exigir ruas maiores em meu cérebro, proporcionais ao número de casas em cada bairro, para acabar com essa vulnerabilidade particular do hipocampo e cerebelo. 

Como não dá, vou fazer o que posso: frequentar religiosamente minhas aulas de pilates para manter as preciosas ruas do meu cérebro em bom estado.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

 

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