Meu interlocutor argumentou que os benefícios
previdenciários no Brasil são baixos. Que é muito difícil viver com dois
salários mínimos.
Respondi que a renda per capita do país é baixa e
por isso o benefício médio da aposentadoria é baixo. No entanto, nosso salário
mínimo já corresponde a 70% do salário mediano do país.
Meu interlocutor respondeu-me que o Brasil não era
um país pobre; era a décima economia do mundo.
Respondi que, para esse tema, é errado olhar o
tamanho absoluto da economia –somos a décima economia porque nossa população é
grande. Temos de olhar a nossa renda per capita. Nesse critério, estamos entre
a 60ª e a 70ª posição. Estranho ter que fazer esse argumento para um economista
formado.
Em seguida, argumentei que gastamos com Previdência
–incluindo aposentadorias e pensões, setor privado e público, população urbana
e rural e o benefício de prestação continuada– 14% do PIB (Produto Interno
Bruto), despesa três vezes maior do que a de economias com a mesma demografia
do que a nossa. Adicionalmente, a conta da Previdência responde por 55% do
gasto primário da União, de um Estado com uma das maiores cargas tributárias
entre os emergentes.
Meu interlocutor respondeu-me que ninguém olha a
conta de juros e que essa conta é muito maior do que a previdenciária.
Argumentei que a conta de juros é salgada pois os
juros reais são muito elevados no Brasil. O principal motivo de os juros reais
serem elevados no Brasil é que nossa taxa de poupança é ridiculamente baixa, e
taxa de poupança baixa é a contrapartida de um Estado que gasta muito com
Previdência.
Adicionalmente, os juros pagos pelo Tesouro
Nacional aos detentores de títulos da dívida pública –os poupadores ou os
rentistas, tanto faz– são muito menores do que algumas contas sugerem. Vários
erros são cometidos.
O primeiro é considerar que a amortização da dívida
pública constitui um gasto público. Suponha que um inquilino tenha de deixar o
apartamento em que vive, pois ele foi requisitado pelo senhorio. Entrega o
imóvel e aluga outro. Ninguém em sã consciência considera que ao entregar o
imóvel a pessoa gastou o valor do imóvel. O imóvel nunca lhe pertenceu.
Analogamente, amortização da dívida pública é a devolução de um recurso que
nunca pertenceu ao Tesouro. Não constitui uma conta do gasto público.
Outro erro comum é considerar que a correção
monetária da dívida pública corresponde a um item do gasto público. A correção
monetária não é renda para o poupador (ou rentista, tanto faz), pois somente
repõe a perda de valor da poupança pelo aumento dos preços; logo não é gasto
para quem paga.
A conta de juros reais pagos sobe ou desce de
acordo com a política monetária. Ao longo do tempo, é de aproximadamente 3% a
4% do PIB. A conta é salgada, mas bem menos do que se pensa.
Meu interlocutor afirma que o baixo crescimento da
produtividade no Brasil precisa ser enfrentado como os asiáticos fizeram:
estímulo à indústria.
Não nota que no leste asiático os juros são baixos.
Juros baixos favorecem a indústria e o investimento em infraestrutura física,
ambos intensivos em capital. O crescimento será bem maior.
Os juros são baixos pois lá a poupança é elevada.
Esta, por sua vez, é elevada pois a Previdência é considerada um tema privado.
O Estado pouco gasta com Previdência, e a carga tributária é baixa.
O círculo se fechou.
Samuel Pessôa - físico
com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e
pesquisador associado do Ibre-FGV.