Uma neurocientista viaja na Columbia Britânica


Uma neurocientista viaja na Columbia Britânica

... onde vender psilocibina ainda é ilegal, mas usar é tolerado.

Nosso destino era uma floresta de árvores tricentenárias na ilha de Vancouver, no Canadá, mas o cogumelo inflável no meio do caminho sinalizava a lojinha bem conhecida na região. 

O Sr. Medved e a amiga que nos hospedava me mandaram parar o carro, então obedeci (em nome da ciência, claro) e escolhi pensar a respeito mais tarde.

O Canadá legalizou algumas drogas recentemente, mas a psilocibina, um derivado do aminoácido triptofano, assim como a serotonina que ele imita, não entrou na lista. 

Nos EUA, a psilocibina ainda é proibidíssima, listada no "regime 1", junto com cocaína e maconha, como substâncias que geram dependência –exceto que a psilocibina não gera dependência.

No Canadá, a Columbia Britânica, onde estávamos, faz vista grossa oficialmente, então lá estava a loja, com cardápio e tudo. 

De qualquer forma, não estou aqui para discorrer sobre política, e sim sobre minha primeira, e espero que não última, viagem serotoninérgica: a Neurocientista de Plantão tomou psilocibina. 

Em tempo: o relato a seguir pode ou não ser fictício, caso alguém queira criar caso.

Dose, contexto e companhia são sabidamente importantes para reduzir a chance dos bem conhecidos efeitos indesejados da psilocibina: ansiedade, psicose e paranoia. Brincar com o cérebro, afinal, sempre tem riscos. 

Mas a dose era garantida, a companhia era maravilhosa e o contexto já era de amor, conforto e segurança, agarrada ao Sr. Meu Marido na casinha linda da nossa amiga no alto de uma montanha. 

Tomamos, então, todos os três, nossas cápsulas –e continuamos papeando na cozinha.

Em meia hora, notamos ao mesmo tempo que as co res do mundo estavam mais vívidas, e os contornos, menos firmes. 

Então nos transferimos para os sofás da sala, onde passamos as próximas duas horas prestando atenção em detalhes do mundo que agora parecia nos envolver bem de pertinho, mas que voltava para longe em um piscar de olhos. 

A lâmpada que cuspia gentilmente bolhas de lava rosa era um convite ao olhar, e quando eu voltava os olhos para nossa amiga no sofá, seu cabelo estava magicamente verde, depois azul e roxo. 

Fixando os olhos na pintura multicolorida de uma ponte em Vancouver, na parede bem em frente, partes da imagem sobressaiam como se mudassem de lugar sem se mexer. Devo ter passado uma hora admirando a pintura.

A sensação não era de euforia, mas de maravilhamento com o mundo, como uma criança que descobre as mãos.

Nada mais existia ou importava naquele estado além do momento presente, em que tudo era tão lindo que me dava gargalhadas de espanto, como a toalha do banheiro que eu subitamente via em detalhes, como se a um palmo do meu nariz. 

Apreciar a vida era uma dádiva que as outras duas pessoas na sala agora compartilhavam comigo.

O córtex visual é rico em receptores de serotonina que a psilocibina, transformada em psilocina no estômago, acessa e ativa. 

Então, as cores exageradas e a percepção alterada de distância são efeitos esperados. 

Mágico mesmo é o estado de calma, contemplação e deslumbramento, que nas mãos de um bom terapeuta, eu agora entendo perfeitamente, têm tudo para ajudar a ressignificar maus momentos, más memórias e até as perspectivas de vida.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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