Com ajuda da culinária, professora desmistifica matemática


Eugenia Cheng acha que mais mulheres deveriam ensinar matemática; a torta de Bach deve seu nome ao compositor (WHITTEN SABBATINI para The New York Times)  

 

Eugenia Cheng é uma matemática que trabalha em um campo rarefeito, a teoria das categorias. O assunto é tão abstrato que, segundo ela, “até alguns matemáticos puros acham que vai longe demais”. Apesar disso, ela está ficando famosa por popularizar a matemática. Cheng já apareceu em programas de TV americanos, e seus tutoriais de matemática on-line já foram vistos mais de 1 milhão de vezes.

Ela acabara de concluir uma demonstração da não associatividade — em que a ordem das operações altera o produto, como é o caso da subtração, por exemplo — quando tirou do forno um exemplo perfeitamente assado de sua “torta de Bach”, batizada em honra do grande compositor tão amado pelos matemáticos do mundo.

A torta é um retângulo alongado de chocolate amargo cremoso, com fatias de banana e, como cobertura, uma trança de quatro feixes de massa caramelizada, lembrando uma das obras de Escher, que seguem trajetórias diferentes e nunca se entrecruzam exatamente onde você espera.

O primeiro livro de Cheng, “How to Bake Pi: An Edible Exploration of the Mathematics of Mathematics” (Como assar pi: um estudo comestível da matemática da matemática), já vendeu 25 mil cópias nos EUA e foi traduzido para seis idiomas.

“Eugenia mergulhou fundo”, disse John Baez, professor de matemática da Universidade da Califórnia em Riverside. “Ela quer explicar a matemática para todas as pessoas, com ou sem conhecimentos prévios, e acho que ela está fazendo muitíssimo bem.”

Cheng, 39, está tão engajada com seu objetivo de desmistificar a matemática que recentemente deixou seu cargo de catedrática na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, para ensinar matemática a estudantes de arte na School of the Art Institute of Chicago.

Para tornar a matemática mais atraente, Cheng adota uma abordagem prática. Ela disse: “Trabalhar com matemática é pegar ingredientes, juntá-los, ver o que você consegue fazer com eles e então decidir se é saboroso ou não”.

Cada capítulo de seu livro “How to Bake Pi” traz receitas que exemplificam temas matemáticos. Para demonstrar, por exemplo, como a matemática procura identificar semelhanças subjacentes em um conjunto amplo de problemas, Cheng começa com uma receita que pode ser modificada para fazer maionese, em vez de molho holandês. Sua receita de lasanha ilustra a importância do contexto na matemática.

Também os números mudam de caráter e grau de basicidade, dependendo do contexto. O número 5, por exemplo, quando visto entre os números naturais, é uma dessas entidades elementares: um número primo, divisível apenas por 1 e por ele próprio.

Mas no contexto dos chamados números racionais, que incluem frações, o 5 perde sua identidade de número primo e ganha versatilidade, podendo ser dividido em fatias cada vez mais finas, como um bolo numa convenção de pessoas que estão fazendo regime.

Alternadamente extrovertida e reservada, cheia de entusiasmo ou circunspecta, Cheng é música de formação clássica e possui um piano de cauda Steinway de 1910.

Ela também é ótima cozinheira. Estamos em sua cozinha, e ela está batendo um misto de gemas, açúcar e creme — é minha aula de não associatividade, também conhecida como pudim. Cheng explica que nessa receita, o modo como os ingredientes são combinados modifica o resultado.

Se você vai fazer um bolo, pode juntar farinha, açúcar, manteiga e ovos do jeito como bem entender — esse é um processo associativo. Mas, no caso do pudim, é preciso primeiro misturar o açúcar com as gemas, depois batê-los até a mistura ficar leve e fofa, antes de juntar o creme. Se os ingredientes forem misturados numa ordem diferente, explicou Cheng, o resultado será uma coisa líquida, que não dará um pudim.

Na matemática temos operações associativas, como soma e multiplicação, em que a ordem em que os números são batidos pode mudar, mas a resposta final continuará a ser a mesma: (4+5) + 6 é o mesmo que 4 + (5+6).

Subtração, divisão e potenciação são operações não associativas: faz diferença quem é colocado junto com quem. Assim, se 10-(6-4) dá 8, (10-6)-4 é igual a zero.

“O bacana da matemática é que não é preciso muita coisa para começar a explorá-la”, disse Baez. “Não há necessidade de equipamentos caros, apenas lápis e papel e você já pode começar a mexer com padrões e números.”

Cheng reconhece que as pessoas podem se sentir pouco à vontade com algumas das abstrações exigidas pelo pensamento matemático. Mas, disse ela, é apenas uma questão de prática. “Você fica muito hábil em separar o que é relevante do que não é, e isso pode ser de grande utilidade na vida.”

Cheng cresceu na zona rural de Sussex e aprendeu a gostar de matemática desde cedo. Sua mãe, especialista em estatística, era a melhor estudante de matemática em seu colégio em Hong Kong.

Hoje, nos EUA, menos de 30% dos pós-graduandos e 12% dos docentes de matemática são mulheres. Cheng quer mudar as atitudes. “Quero servir de exemplo para homens e mulheres.”

O pudim está pronto. O ideal virou real. Termino minha primeira porção e peço para repetir.

 

Natalie Angier – escreve para o New York Times,cobrindo genética, biologia evolutiva, medicina e outros assuntos; ganhou um prêmio Pulitzer para uma série de 10 artigos de fundo sobre uma ampla gama de temas científicos.

Fonte: The New York Times

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