Quem escuta mal tem risco maior para sofrer demência


Quem escuta mal tem risco maior para sofrer demência

Lesões causadas por volumes altos têm impacto semelhante à perda auditiva comum ao idoso.

  • Danos otológicos induzidos por ruído afetam o hipocampo, região cerebral fundamental para a formação de memórias.
  • Em outras palavras, lesões em ouvidos causadas por volumes altos de sons têm um impacto semelhante à perda auditiva comum ao idoso. Sugiro atenção aos fones de ouvidos

Provavelmente todos nós conhecemos alguma pessoa com mais de 60 anos que escuta mal; culpa da perda auditiva relacionada ao envelhecimento. É um distúrbio que fica mais comum na medida em que envelhecemos; acomete pouco mais de 40% das pessoas com mais de 50 anos e cerca de 70% das pessoas com 70 anos.

Sua ação degrada progressivamente a discriminação de sons agudos e frequentemente corrompe a compreensão da fala. Para a maioria dos afetados, essa é apenas uma das tantas etapas do envelhecimento. 

Contudo, para os mais gravemente impactados, é um sério problema, por tornar-se uma barreira contra a comunicação e a socialização. 

Nesse caso, restam a solidão e a tristeza como produtos óbvios. 

O berço do problema está na cóclea, estrutura do ouvido ocupada em converter o som em impulsos elétricos nervosos. 

Essa eletricidade é transmitida para o encéfalo e vira sua matéria-prima a ser transformada na nossa experiência de ouvir.

Recentemente descobriu-se que a perda auditiva relacionada ao envelhecimento é um fator de risco independente para se ter demência. 

Estima-se que 9% das pessoas dementes assim são por terem perdas graves da audição. Isso significa que escutar mal causa ou acelera, muitas vezes, a doença de Alzheimer. 

Acabo de somar uma nova razão para você ficar ainda mais preocupado com a sua tia, que grita no telefone e já não lhe entende muito bem. Já lhe acalmo, o uso de dispositivos eletrônicos que auxiliam a audição, possivelmente, reduz o risco de perda cognitiva

Seria bom convencê-la a usar um. Pronto, você já tem uma informação prática, pode até ficar satisfeito e encerrar a leitura por aqui.

Se não desistiu é porque sua curiosidade lhe instiga e eu imagino que queira entender como algo especificamente errado no ouvido causa degeneração cerebral. 

Por ora, não temos uma resposta definitiva, mas possuímos teorias muito boas que nos auxiliam a entender melhor a vulnerabilidade do cérebro e como proteger esse órgão.

A reclusão social é um fator de risco para demência, de peso equivalente ao sedentarismo e ao tabagismo. 

Logo, o impacto social causado pela surdez, parcial ou completa, guarda uma ameaça para declínio do intelecto. 

Mas há outras explicações complementares.

É possível a existência de um gatilho biológico único, tanto para a decaída auditiva como para a degeneração cerebral. Se for verdade, o mesmo processo que corrói o cérebro destrói as estruturas do ouvido. 

Porém, até o momento, não foram encontradas provas da existência de uma base destrutiva comum à cóclea e ao córtex encefálico. 

Se não há esse compasso degenerativo, deve haver uma predisposição dentro dos neurônios, para um problema no ouvido fazer um grande estrago cognitivo.

A doença de Alzheimer, em seus momentos iniciais, acomete certas áreas cerebrais relacionadas à audição. 

Essa degeneração causa algo que chamamos de disfunção cognitiva auditiva, um tipo de surdez central (encefálica) que piora qualquer grau, se existir, de surdez periférica (do ouvido).

Um som ouvido é associado a dados armazenados na memória para ser pertinentemente compreendido e identificado. 

A doença de Alzheimer, em todos seus estágios, é marcada por danificar preferencialmente o córtex da memória, portanto atrapalha em um certo ponto as interpretações das informações auditivas.

Se existir deterioração coclear em concomitância com os primeiros danos provocados pela doença de Alzheimer, haverá um trabalho maior para o cérebro fazer compreender o que já vem abafado dos ouvidos. 

Com isso, ocorre um trabalho exagerado para o som ser catalogado, e isso parece provocar um estresse destrutivo.

Não necessariamente é a doença de Alzheimer o único fator que predispõe o intelecto a declinar ainda mais sob os efeitos danosos da queda da audição. 

Outras alterações, algumas ainda não nomeadas, podem também ser. Há estudos em humanos e em animais que mostram a correlação entre perda auditiva e atrofia de áreas encefálicas críticas para a memória.

O último ponto final está próximo. Como você, leitora mais curiosa, chegou até aqui resistindo ao ímpeto de sair correndo para ajudar sua tia, lhe trarei mais uma nova informação prática. 

Juro, este aviso tardio não é obra de minha pirraça para punir os apressados, aqueles que abandonaram a leitura, mas fruto de atualização tardia.

O texto já estava quase pronto quando li um estudo importante. Resumo-o a seguir em uma curta frase: danos otológicos induzidos por ruído afetam o hipocampo, região cerebral fundamental para a formação de memórias. 

Em outras palavras, lesões em ouvidos causadas por volumes altos de sons têm um impacto semelhante à perda auditiva comum ao idoso. Sugiro atenção aos fones de ouvidos.

LUCIANO MAGALHÃES DE MELO - médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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