"As
lentes do Canal 100 eram capazes de salvar um partida. O que em campo não havia
empolgado era trabalhado com uma bem-sucedida montagem e sonoplastia, tornando
as tomadas significativas e interessantes", observa o jornalista João Luiz
de Albuquerque.
Não
satisfeito, Niemeyer pedia que também se filmassem os torcedores. "A
grande intuição de Niemeyer foi entender que o drama da partida não estava só
no campo, mas também no espectador", observa João Moreira Salles, em
depoimento publicado no livro. “Ele foi o primeiro a desviar a câmara para o
público. Para o torcedor com o radinho vendo o jogo do Flamengo. Ali, ele
construía uma pequena narrativa, uma pequena história de alguns minutos."
Logo,
o Canal 100 tornou-se obrigatório para fãs. Bastava a tela do cinema se encher
de bolinhas coloridas e surgirem os acordes da música “Na Cadência do Samba”,
de Luiz Bandeira, para qualquer sala escura se transformar em arquibancada.
As
imagens empolgavam também torcedores ilustres, como o tricolor Nelson Rodrigues.
"Foi o Canal 100 que inventou uma nova distância entre o torcedor e o
craque, entre o torcedor e o jogo, em dimensão miguelangesca, em plena cólera
do gol", escreveu.
Em
1986, com o fim da obrigatoriedade de exibição de cinejornais antes dos filmes,
o Canal 100 ouviu o apito final. Ficaram mais de 1.300 edições, cujo exemplo de
qualidade pode ser admirado no DVD que acompanha o livro, com dez reportagens.
'Que
Bonito é!' foi a trilha sonora de uma geração
Luiz
Carlos Merten
Quem
assiste hoje a Galvão Bueno criar frases de efeito nas transmissões da Globo
não faz ideia do que era o Canal 100 de Carlos Niemeyer. Espectadores dos mais
distantes rincões do Brasil sabiam que era um bon vivant, amante do
futebol - 'menguista' doente. Mas, nos anos 1960, foi ele à frente de sua
equipe de cinegrafistas, que mudou o olhar de toda uma geração de brasileiros
sobre o cinema. O futebol já era o esporte nacional preferido e o fantasma de
1950 - a derrota contra o Uruguai no Maracanã - já fora relegado ao passado. O
Brasil ganhara as Copas de 1958 e 60, mas o futebol-arte, efêmero nas jogadas
de Pelé e Garrincha, só era eternizado pelo cinema, e pelo Canal 100.
Nos
anos 1960, quando a TV começava a conquistar o Brasil, ninguém conhecia as
emissoras pelo nome. Era pelos números, e por isso mesmo surgiu a ideia de
batizar o cinejornal como Canal 100.
Todo
domingo, nas matinês de todo o País, garotos e adultos esperavam pelo
noticiário de Carlos Niemeyer, que, às vezes, parecia mais importante que o
próprio filme. E não era só noticiário esportivo. Canal 100 passeava pela
sociedade carioca. Mostrava inaugurações de galerias, documentava exposições
importantes.
Como
você não sabe quem eram Teresa Souza Campos e Lourdes Catão? Eram as grandes
socialites da época, mas ninguém olhava direito para o noticiário - que durava
em torno de 11 minutos - senão quando se ouviam os acordes de Na Cadência do
Samba, de Luiz Bandeira. Teve gente que nunca soube o nome da música nem do
compositor, porque os acordes eram conhecidos como Que Bonito É! E que bonito
era o futebol do Canal 100. Qualidade da imagem, plasticidade do esporte - e
muita inventividade.
Normalmente,
Carlos Niemeyer explicou depois, os jogos eram filmados com três câmeras, mas
dependendo da importância elas chegavam a oito. E havia a equipe de
cinegrafistas, que era sempre engrossada em jogos decisivos, como as Copas.
Jorge Aguiar foi quem criou a tomada que virou a marca registrada do Canal 100.
Ele teve a ideia de colocar a câmera atrás do gol e usar a teleobjetiva para
seguir a dança das pernas dos jogadores. Viam-se somente as pernas, em jogadas
que invariavelmente resultavam em gols. As pernas tortas de Garrincha eram,
obviamente, as mais fáceis de identificar.
Canal
100 abastecia o Brasil inteiro com cinejornais, e Carlinhos dizia que não foi,
como se pode pensar, o início das transmissões de jogos pela TV que matou o seu
programa. A disputa pelo espaço nos cinemas, envolvendo produtores e até
diretores, acabou com o Que Bonito É. Mas foi bonito, e como!, enquanto durou.
Carlos Niemeyer calculava haver filmado cerca de 1.500 jogos.
E,
claro, todo mundo lhe perguntava sempre qual o mais belo gol do Canal 100. Sua
resposta sempre a mesma - foi um gol que não houve, de Pelé. Na Copa de 70, no
México, Pelé driblou o goleiro do Uruguai, a bola veio, ele girou o corpo, o
goleiro veio em cima dele, a bola passou. Teria sido um gol prodigioso, mas não
faz mal. As centenas, milhares de gols do Canal 100 até hoje são eternos para
quem teve o privilégio de vê-los. Que bonito foi!
Ubiratan Brasil e Luiz Carlos Merten -
jornalistas do Estado de S.Paulo, Ubiratan
é jornalista que trabalha com cultura e esportes, e Merten é um jornalista e crítico de cinema brasileiro.
Fonte: jornal Estdo de S. Paulo