Hipocondria e retardo mental são os modelos de
envelhecimento hoje
Para
alguns, tudo o que restou após os 50 anos é se gabar dos procedimentos
supostamente científicos que praticam.
Há basicamente duas formas de envelhecer hoje: ou
você se transforma num hipocondríaco ou num retardado. O que vem
a ser esse fenômeno psicológico?
Sabemos que nossa espécie não é adaptada a viver
tanto tempo. Daí que tristeza, tédio, degeneração por inatividade e similares
são quadros comuns.
Não há no horizonte nada que implique alguma mudança
significativa.
Aumento de população idosa, custos com o envelhecimento,
abandono, abuso, perda de papel social e produtivo, indiferença do Estado e do
mercado, enfim, das próprias famílias, sobrecarregadas e sem dinheiro.
Apesar dos esforços de muitos profissionais e
instituições, a inundação de idosos numa sociedade atomizada e de laços familiares e afetivos reduzidos
veio para ficar.
Para além desse olhar sombrio, mas nem por isso
menos verdadeiro, há aspectos mais sutis, mas que fazem parte do cenário do
envelhecimento num mundo feito cada vez mais para os jovens —que por sua vez
são cada vez menos em número nas sociedades afluentes.
Filhos são ônus para os
adultos, mas, pelo menos, ainda representam um futuro de alguma forma.
Mas idosos são o passado, e o passado não
serve para nada na gloriosa modernidade.
Em se tratando da população mais afluente e que
passa dos 50 anos, chama a atenção a combinação de dois comportamentos
aparentemente contraditórios, mas que se tornam cada vez mais hegemônicos: a
obsessão por procedimentos médicos —que sem dúvida fazem parte da longevidade
nas populações mais afluentes— e outra obsessão que é a busca histérica por
comportamentos que mimetizem a juventude perdida.
É dessa combinação que nasce a mania hipocondríaca
e o retardo mental como modelos de envelhecimento no mundo contemporâneo.
A
obsessão por procedimentos médicos não se atém ao próprio sujeito, mas se torna
um modo de sociabilidade.
A competição pelos números de exames médicos
realizados e pela frequência de visita ao médico é um traço dessa
sociabilidade.
"Quantas colonoscopias você fez nos últimos
anos?" "Você mediu seu colesterol este ano?" "Como você
continua a comer carne vermelha nessa idade?!"
"Essa dieta é daquela médica que atende fulana?" —sempre uma famosa
recauchutada todo dia.
Enfim, os exemplos ocupam as festas familiares,
encontros de amigos, férias.
Uma clara atitude de superioridade emana daqueles
que parecem em dia com o que a última ciência diz do modo mais saudável de
envelhecer.
Isso sem levar em conta que, afora os exames claramente válidos,
muita coisa é moda naquilo que falam, principalmente no que se refere a dietas alimentares.
Para algumas pessoas, tudo que restou após os 50
anos é se gabar dos procedimentos supostamente científicos que praticam no seu
dia a dia.
O envelhecimento carrega consigo uma dose
significativa de desespero, o que é normal.
A cada dia tudo pode começar a dar
errado no corpo, e isso não há atitude motivacional que resolva.
Alguns filhos se tornam verdadeiros tiranos na
relação com seus pais, exigindo deles, muitas vezes, o abandono de qualquer forma de vida que
para esses pais, até então, foi significativa.
Ao mesmo tempo, existe o outro fenômeno citado
anteriormente: a busca histérica por mimetizar a juventude perdida.
Não me
refiro aqui a meros hábitos de vestimenta. Com a idade, a disposição para atividades "jovens"
diminui.
A maturidade carrega consigo um certo ceticismo para com muitas das
coisas que os jovens veem como de grande valor.
A idade busca um certo
silêncio, em detrimento da vocação jovem ao ruído.
A maturidade tende a relativizar o encanto do sexo
em favor de experiências estéticas mais contemplativas.
O gosto pelo hábito em
lugar da busca incessante pela novidade. A recusa por ambientes saturados de pessoas
em favor de ocasiões mais seletivas no que tange à ocupação dos espaços à sua
volta.
Nada do citado aqui como escolhas da maturidade
representa em si a morte ou a desistência da vida.
Apenas um modo mais atento
ao uso do tempo que resta e uma temporalidade de um corpo e uma alma que podem
apresentar um cansaço saudável pelas ilusões do mundo. Nada mais estoico.
LUIZ FELIPE PONDÉ - Escritor e ensaísta, autor
de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e "Política no
Cotidiano". É doutor em filosofia pela USP.