O mercado reage de forma diferente quando a CEO é
mulher?
- Artigo mostra reação assimétrica a más notícias dependendo do
gênero do CEO da empresa
- Viés discriminatório produz efeitos negativos para empresas
lideradas por mulheres
É
sempre gratificante participar de conferências acadêmicas, nas quais conhecemos
novas pesquisas e reencontramos colegas.
Acabo de voltar de Recife, onde
participei do encontro da Lacea (Associação Latino-Americana e Caribenha
de Economia, na sigla em inglês). A variedade de
temas abordados e a qualidade dos trabalhos apresentados foram de alto nível.
Trago, nesta coluna, uma discussão levantada por um dos artigos apresentados
nas sessões: como as pessoas avaliam o trabalho dos CEOs de empresas de forma
assimétrica quando se considera o gênero.
Um
CEO relata que sua empresa teve uma queda de 5% na receita no último trimestre.
Será que se o CEO for Maria ou João, o mercado reagirá de forma diferente? A
economista Marcela Carvalho mostra, em seu artigo "Who Gets the
Benefit of the Doubt? CEO Gender and News about Firm Performance" (quem
tem o benefício da dúvida?
Gênero de CEO e notícias sobre performance
empresarial), que, com base em dados, os mercados financeiros reagem de forma
assimétrica a más notícias sobre o desempenho das empresas, a depender de se
forem apresentadas por CEOs homens ou por mulheres.
Segundo
a autora, com base em dados de empresas americanas obtidos pelo Ibes (Sistema
de Estimativas de Corretores Institucionais), o mercado reage menos às más
notícias sobre o desempenho das empresas quando o líder é um homem, em
comparação a quando a líder é uma mulher.
Esse comportamento se desvia do que
seria esperado sob expectativas racionais: o mesmo resultado deveria gerar a
mesma resposta, independentemente do gênero.
Além
disso, dado o rigoroso processo de seleção para o cargo de CEO, seria de se
esperar que analistas e investidores fossem indiferentes ao gênero de quem o
ocupa.
Para
analisar a reação dos analistas de mercado, profissionais especializados em
avaliar resultados empresariais, a autora mede as crenças desses analistas
quanto ao desempenho das empresas.
As crenças são mensuradas com base nas
previsões que eles fazem para um determinado trimestre, logo após o anúncio dos
resultados dos trimestres anteriores.
Revisões positivas das crenças são
classificadas como boas notícias; as negativas, como más.
O resultado é
surpreendente: os analistas reagem menos às más notícias de empresas lideradas
por homens do que às de empresas lideradas por mulheres.
O
trabalho também estende a análise ao comportamento dos investidores, aqueles
que aplicam seus recursos em ações de empresas, e o resultado não difere do
anterior.
A reação negativa do mercado é menor quando a empresa é liderada por
um homem. Para aprofundar ainda mais a análise, a autora examina as
transcrições das teleconferências em que executivos interagem com analistas e
investidores.
Ela cria uma medida que capta o grau de discordância entre o
discurso do executivo e as perguntas sobre temas mais negativos, bem como o tom
adotado nessas intervenções.
O resultado é claro: os analistas expressam menos
discordância com a narrativa de empresas lideradas por homens do que com a de
empresas lideradas por mulheres. Essa assimetria é impulsionada exclusivamente
pelos analistas homens, que representam 85% do total de analistas.
As analistas
mulheres não apresentam viés.
Esse
viés, seja de discriminação estatística ou implícita (tema que tratei na coluna
"Preconceitos são mais fortes do que pensamos: o viés inconsciente"),
produz efeitos negativos para empresas lideradas por mulheres.
A assimetria
aparece no padrão enviesado das previsões dos analistas, nos preços das ações e
na medida de discordância.
Esse tipo de comportamento pode ajudar a explicar o
lento avanço das mulheres na carreira executiva, assim como o diferencial
salarial entre homens e mulheres que ocupam cargos de CEO.
Outro ponto que
merece mais investigação é a razão pela qual os homens demonstram maior
confiança em empresas dirigidas por outros homens e como mudar esse cenário.
LORENA
HAKAK -
doutora em economia e professora da FGV. Atua
como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)