Um excelente antídoto para a falta de imaginação
vem, aliás, diretamente da China. Trata-se do impressionante livro de ficção
científica "A Floresta Negra" (The Dark Forest), escrito por Liu
Cixin.
Cixin, vale lembrar, já foi chamado de "o
Arthur C. Clark" da China e já recebeu o prêmio Hugo, considerado o Nobel
da ficção científica (o primeiro asiático a vencer a honraria). Antes de se
tornar escritor, trabalhou como engenheiro em uma usina termoelétrica.
A "Floresta Negra" é um espetáculo de
imaginação. É a segunda parte de uma trilogia que teve início com "O
Problema dos Três Corpos", sobre o qual já escrevi aqui na coluna. Sua
trama é justamente sobre a maior crise que a humanidade poderia viver: a
iminência da destruição total por causa da invasão de uma civilização
tecnologicamente mais avançada, que por sua vez está condenada à extinção por
orbitar um sistema solar composto por três diferentes sóis.
O livro concentra-se especificamente na dimensão
política dessa situação. Que estratégias a humanidade deve adotar para
sobreviver?
Como lidar com o derrotismo e a neurose típicas de
qualquer crise (inclusive a brasileira)? Mais ainda: como lidar com a parcela
da população que passa a desejar a invasão, isto é, que as forças militares
extraterrestres assumam logo o planeta, já que humanidade teria sido incapaz de
resolver seus problemas por conta própria (talvez a forma mais perversa de
derrotismo)?
É com essa premissa que Cixin constrói as bases
para sua "cosmopolítica", esquadrinhando as difíceis decisões que a
descoberta de outra civilização imporia à humanidade. A questão tem
similaridade com a détente nuclear. Por exemplo, a possibilidade de aniquilação
mútua funcionaria para impedir um conflito cósmico?
Semelhanças com o embate atual entre EUA e Coreia
do Norte não serão mera coincidência.
A obra de Cixin é também uma crônica do momento
atual da China. Após sobreviver a mútuas crises ao longo de mais de um século,
o país conseguiu saltar da pobreza agrária para se tornar o celeiro industrial
do planeta.
A fase mais recente, que vem se desdobrando nos
últimos anos, é o país se convertendo em potência de inovação tecnológica.
Para isso acontecer, a China apostou em ciência e
tecnologia, com foco e planejamento. O fato de produzir hoje a melhor ficção
científica do planeta não é um acaso. É a cereja que coroa um bolo forjado pela
conjugação entre ciência e capacidade de imaginação. Dois elementos que estão
em falta no Brasil atual.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FSP