Há alguns anos, passei três meses na Alemanha
fazendo conferências e entrevistando mulheres. Uma das coisas que mais me
surpreendeu foi a maneira como as alemãs se expressam.
Em um restaurante, uma professora me interrompeu
bruscamente: "Vamos mudar de assunto, não gosto de falar sobre a violência
no Rio de Janeiro". Outra, depois de um jantar em sua casa, se despediu:
"Tenho que acordar cedo amanhã, está na hora de todos irem embora".
E, ainda: "Preparei a comida, agora vocês lavem a louça".
Não posso deixar de mencionar os incontáveis e
assustadores "imediatamente" que escutei, quando elas me chamavam
para uma refeição ou uma conversa. Lá nunca pude usar os nossos famosos:
"daqui a pouquinho" ou "estou indo em um minutinho".
Esta forma de se expressar pode parecer,
especialmente para uma brasileira, uma forma rude e até mesmo agressiva de ser.
Mas descobri que é, na verdade, um jeito direto, objetivo e claro de dizer as
coisas. Elas dizem exatamente o que querem e o que não querem.
Por exemplo, elas me contaram que, quando não
querem fazer sexo, dizem claramente para os parceiros: "Não estou com
vontade!" ou "não quero!". E ponto final!
Para as brasileiras é quase impossível dizer:
"Não estou com vontade" e "não quero" sem medo de brigar,
magoar ou ofender o parceiro. Por isso, muitas preferem usar desculpas como:
"Hoje não, meu amor, estou com muita dor de cabeça" ou "estou
com TPM".
Sem duvidar que muitas sofrem realmente com as
dores, para outras a dor de cabeça e a TPM são apenas desculpas mais aceitáveis
para não fazer o que não estão com vontade.
Como escreveu o sociólogo Pierre Bourdieu, a lógica
da dominação masculina constitui as mulheres como objetos, e tem como efeito
colocá-las em permanente estado de insegurança e dependência simbólica. Delas
se espera que sejam femininas, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas,
delicadas, discretas, contidas e até mesmo apagadas. Elas existem primeiro para
o olhar dos homens, como objetos receptivos, atraentes e disponíveis.
Nesta lógica de dominação masculina, é realmente
muito difícil dizer não. Mas fica uma reflexão: será que poderíamos evitar
muitas dores de cabeça simplesmente tendo a coragem de dizer não?
Miriam Goldenberg - antropóloga e professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de 'Coroas: corpo,
envelhecimento, casamento e infidelidade'.
Fonte: coluna jornal FSP