Afinal, o que significa Contribuição Normal?


O que é Contribuição Normal? Fácil! Basta ler o parágrafo único do artigo 19 da Lei Complementar nº 109/2001: “As contribuições referidas no caput classificam-se em: I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano (...)”. Infelizmente, as coisas não são tão simples assim.

Parece-nos que o legislador, ao conceituar tal expressão, não tinha a dimensão da importância e das implicações que essa singela definição traria ao mercado de fundos de pensão, pois, do contrário, teria tido maior zelo na determinação do significado de Contribuição Normal. O primeiro motivo que faz com que tal definição seja tão importante é anterior à Lei Complementar nº 109. Trata-se da alteração constitucional trazida pela Emenda nº 20/1998, que modificou o artigo 202 da CF/88, estabelecendo, no seu §3º, que: 

“Art. 202 (...) §3º - É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.”

 

Posteriormente, em 2008, a Resolução CGPC 26 também se utilizou dessa expressão para definir os direitos e obrigações de participantes e assistidos, de um lado, e de patrocinadores, do outro, em processos de distribuição de superávit e de equacionamento de déficit. Os artigos 15 e 29 (este último alterado pela recém-publicada Resolução CGPC 14/2014), determinam que: 

“Art. 15. Para a destinação da reserva especial, deverão ser identificados quais os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos, de um lado, e ao patrocinador, de outro, observada a proporção contributiva do período em que se deu a sua constituição, a partir das contribuições normais vertidas nesse período.”

 

“Art. 29. O resultado deficitário apurado no plano de benefícios deverá ser equacionado por participantes, assistidos e patrocinadores, observada a proporção contributiva em relação às contribuições normais vigentes no período em que for apurado o resultado, estabelecendo-se os montantes de cobertura atribuíveis aos patrocinadores, de um lado, e aos participantes e assistidos, de outro, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que tenham dado causa a dano ou prejuízo ao plano de benefícios administrado pela EFPC.”

 

Vejam, portanto, que o que era para ser uma mera conceituação de uma simples expressão passou a ser decisivo para participantes, assistidos e patrocinadores, já que, a depender da interpretação que se dê ao artigo 19 da Lei Complementar nº 109, poderá haver mais ou menos contribuições patronais para um plano de benefícios, assim como participantes e assistidos poderão ter seus diretos e obrigações majorados ou minorados em processos de distribuição de superávit e equacionamento de déficit. Por isso, vamos em busca da resposta a essa pergunta ainda sem uma solução clara: o que significa Contribuição Normal? 

Na ciência atuarial, essa expressão tem significado próprio. Contribuição Normal deriva de Custo Normal que, por sua vez, significa a alíquota necessária para o custeio de determinado benefício. Howard E. Winklevoss, em sua obra “Pension mathematics with numerical illustrations” (1993), menciona que o Custo Normal é calculado de forma a amortizar o valor presente dos benefícios futuros (de um benefício estruturado em Regime de Capitalização) durante a fase laboral dos Participantes, sendo os pagamentos efetuados de acordo com um método de custeio definido. 

Observe que os conceitos de Custo Normal e de Contribuição Normal, na ciência atuarial, estão ligados a benefícios estruturados na modalidade de Benefício Definido. Isso porque, em benefícios estruturados em Contribuição Definida, não há que se falar em valor presente de benefícios futuros atuarialmente calculado. Com isso, concluímos que a definição atuarial de Contribuição Normal, embora possa servir de referência, não nos permite a responder à pergunta que se apresenta, já que é necessário se ter um conceito amplo de Contribuição Normal, e não um conceito apenas aplicável a benefícios em BD. 

Vamos, então, aos argumentos trazidos pela Câmara de Recursos da Previdência Complementar – CRPC e pela Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social – Conjur/MPS, que, recentemente, divergiram acerca da inserção, ou não, das contribuições administrativas para fins de aferição da paridade contributiva em planos regidos pela Lei Complementar nº 108/2001. Para a construção de suas teses, tanto a CRPC quanto a Conjur/MPS interpretaram o artigo 19 da Lei Complementar nº 109 e chegaram a conclusões distintas. 

O relator da tese que se sagrou vencedora na CRPC, conselheiro Antônio Bráulio de Carvalho, interpretou, em julgamento de processo que requeria a revogação da punição aplicada pela Previc a dirigentes da Fundação Copel, de maneira literal o artigo 19 da Lei Complementar nº 109. Afirmou o conselheiro que as contribuições administrativas não são contribuições normais, pois não se destinam ao custeio dos benefícios.

A Conjur/MPS, por meio do Parecer nº 56/2014/CONJUR-MPS/CGU/AGU (clique aqui para ler o Parecer na íntegra), que foi aprovado pelo Ministro da Previdência Interino Carlos Eduardo Gabas, trouxe um ponto de vista diferente, que se alinha com o entendimento exarado pela Previc. Em vez de interpretar referido dispositivo legal de forma literal, optou-se por uma interpretação teleológica, ou seja, que procurou alcançar a finalidade buscada pelo legislador ao descrever o dispositivo legal citado. 

Traz o parecer a seguinte afirmação: “Nota-se que o âmago da discussão diz respeito ao conceito de ‘contribuição normal’, expressão utilizada no preceito constitucional”. Na sua análise, a Advocacia da União inicia a busca por esse significado recorrendo ao dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, em que o parecerista esclarece que “por normal entende-se, dentre outras acepções irrelevantes ao presente estudo, aquilo que é usual, comum, natural”. Complementa que: 

Nessa linha, uma determinada contribuição pode ser tachada de normal quando seu recolhimento se der (ou deva se dar) de forma ordinária, habitual, constante, periódica, reiterada. (...) Por esse raciocínio, as despesas administrativas, porque destinadas à gestão dos fundos, atividade constante e imprescindível, devem ser custeadas pelas chamadas ‘contribuições normais’”.

 

Posteriormente, a Conjur/MPS recorre ao conceito atuarial de Contribuição Normal, afirmando que: 

“E, para o cálculo do Custo Normal, consideram-se, além do Custo Puro, os chamados ‘carregamentos’, que, no caso das EFPCs, ‘envolvem o custeio de despesas administrativas do plano (denominado carregamento administrativo) ou mesmo outro acréscimo dado ao Custo Puro como forma de aumentar a probabilidade de solvência do plano (denominado carregamento de contingência)”.

 

Como solução para o imbróglio, a Advocacia da União chega à conclusão que a Contribuição Normal citada no artigo 202 da Constituição Federal, que trata da paridade contributiva, não é a mesma Contribuição Normal trazida no artigo 19 da Lei Complementar nº 109, lançando mão da figura da Contribuição Normal lato sensu. Afirma o parecerista que: 

“De resto, a LC no 108/2001 não define o que se entende por ‘contribuição normal’. Quanto à LC no 109/2001, aplicada subsidiariamente à LC no 108/2001, dada a relação de especialidade, afigura-se equivocada a utilização das definições contidas no seu art. 19 para excluir do âmbito das contribuições normais os aportes destinados às despesas administrativas. (...) Logo, as ‘contribuições normais’ definidas no inciso I do art. 19 não se confundem com as ‘contribuições normais’ tratadas na Constituição, constituindo um subgrupo destas últimas. (...) Não há, pois, como distanciar as despesas administrativas das contribuições normais lato sensu.”

 

Então, considerando que referido Parecer foi aprovado pelo MPS, tendo efeito vinculante, nos termos do artigo 42 da Lei Complementar nº 73/1993[1][1], o problema está resolvido? Em relação à situação específica da compreensão das contribuições administrativas nas Contribuições Normais para fins de aferição da paridade contributiva, sim. Mas para todo o resto, a resposta é, definitivamente, não! Pelo contrário, a situação ficou pior do que era antes. 

Se antes já havia dúvidas acerca do conceito de Contribuições Normais para fins de aplicação da Resolução CGPC 26 na determinação da proporção contributiva em processos de distribuição de superávit e equacionamento de déficit, agora, além das incertezas já instaladas, acrescenta-se a dúvida se cada um dos dispositivos da referida Resolução está se referindo às Contribuições Normais lato sensu ou stricto sensu. 

Portanto, a resposta à pergunta que intitula este artigo é um lacônico “depende”. Depende se estamos interessados no conceito atuarial de Contribuição Normal. Ou se nos interessa a acepção literal de tal expressão. Ou, ainda, se estamos buscando o conceito legal e, se for este, se estamos a falar daquele trazido pelo artigo 19 da Lei Complementar nº 109, ou seja, o conceito stricto sensu, ou se nos referimos ao conceito lato sensu, sendo este entendido por aquele descrito no artigo 202 da Constituição Federal.

[2][1] Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas. 

João Marcelo Barros Leal M. Carvalho – atuário, com MBA em Finanças e graduando em Direito, é Supervisor Atuarial da GAMA Consultores Associados.
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