O que lágrimas de tristeza e
de felicidade podem ter em comum, se parecem coisas opostas? Eu diria que elas
marcam a resolução de um problema que deixava o cérebro apreensivo, tenso,
aguardando o resultado de um jeito ou de outro.
Lágrimas
são produzidas pelas glândulas lacrimais em resposta a estimulação
parassimpática, sob controle do hipotálamo. O sistema nervoso parassimpático é
aquele que faz o contrário do simpático, responsável por colocar o corpo em um
estado de alta disponibilidade energética, pronto para a ação: o parassimpático
relaxa o corpo, reduzindo a frequência cardíaca e a pressão arterial.
Nervos
parassimpáticos aumentam ligeiramente a produção de lágrimas, sob controle do
hipotálamo, quando os olhos estão secos ou sob algum tipo de agressão. Mas,
recebendo sinais de outras partes do cérebro, o hipotálamo causa uma ativação
parassimpática bem mais intensa e generalizada, levando à produção de tantas
lágrimas que elas transbordam e rolam rosto abaixo e escorrem nariz adentro.
E
então, com a ativação parassimpática, o corpo todo começa a se acalmar, até
parar de chorar - o alívio dos alívios, a resolução final. Não é que chorar
necessariamente acalme; mais provavelmente, é aquilo que causa o choro que
também acalma o corpo.
E o
que causa o choro? A pouca evidência implica alguma parte do córtex
pré-frontal, o que casa com a minha inferência a partir de dados
comportamentais: o choro vem com a resolução, não importa se feliz ou infeliz,
de estados de alta tensão (e forte ativação simpática, que prepara o corpo para
agir se preciso). Estes são estados de intenso esforço de controle cognitivo,
seja para se manter focado sobre uma ação necessária, para suprimir ações e
emoções negativas (como a própria vontade de chorar) ou simplesmente manter a
concentração sobre o objetivo da vez, apesar dos pesares.
Quando
a situação subitamente se resolve e todo aquele esforço mental deixa de ser
necessário, um surto de ativação parassimpática desfaz todo o circo simpático
armado no corpo - e, de tão intenso, acaba trazendo as lágrimas. Ah, o alívio.
O resultado pode até ter sido ruim, mas agora o cérebro não precisa mais se
segurar.
Por
isso chorar pode fazer um bem danado: não pelas lágrimas em si, mas porque se
elas rolam, é porque o cérebro parou de fazer força para se segurar e pode,
finalmente, relaxar.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora
da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida
Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: blog www.suzanaherculanohouzel.com