Um computador quântico, no alto, feito por uma companhia
canadense, e seu processador
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Está desanimado com o mundo? Para se animar, é só acompanhar os
avanços mais recentes da computação quântica. Há sinais de que ela está saindo
do território da ficção para se tornar real. Quando isso ocorrer, o mundo que
conhecemos vai mudar de novo. Os computadores vão se tornar "máquinas de
sonho", nas palavras do físico Charles Bennett.
A computação quântica tem esse nome porque se baseia nas
fronteiras mais bizarras da física. No nível infinitesimal, um átomo pode
existir em dois estados, ocupando inclusive dois lugares diferentes ao mesmo
tempo. Mais do que isso, duas partículas podem se "entrelaçar", isto
é, coordenar suas propriedades independentemente da distância ou do tempo entre
elas.
Com base nessas constatações, alguns físicos teóricos acreditam
na existência de múltiplos universos simultâneos (chamados
"multiversos"). Grosso modo, a informação circularia entre esses
universos distintos por meio do fenômeno do entrelaçamento.
É aí que a computação quântica começa. Diferentemente de um
computador tradicional —que lida com um problema de cada vez—, o computador
quântico processa múltiplos problemas ao mesmo tempo. Em vez de se basear em
"bits" que representam zeros ou uns, o computador quântico trabalha
com "qubits" (pronuncia-se "kiubits").
Cada qubit pode ser zero, um, ou ainda pode ser zero e um
simultaneamente. O que determina sua posição final é a forma como são
observados. É como se toda a informação do cosmos se materializasse por meio
dele. O problema é que há até pouco tempo ninguém sabia como interpretar e
filtrar essa torrente informacional. Só que agora, graças ao avanço da
inteligência artificial, essa interpretação começou a ser possível e até mesmo
confiável.
Um experimento feito na Universidade Yale conseguiu que um
computador quântico "adivinhasse" entre quatro montes de cartas de
baralho exatamente a posição onde se encontrava a rainha, com uma margem de
acerto de 80% (os "baralhos", nesse caso, eram representações
numéricas, e não físicas).
Um dos desafios da computação é justamente este: ela ainda gera
muitos erros. Só que isso está se resolvendo com criação de filtros e
algoritmos baseados em inteligência artificial. Além disso, a computação
quântica funciona bem para algumas tarefas (como fatorar grandes números
primos) e muito mal para várias outras que são triviais para um computador
tradicional.
Uma das preocupações é que os computadores quânticos serão
capazes de quebrar todas as formas de criptografia mais usadas hoje. Vale
lembrar que toda a infraestrutura de segurança da internet depende da
criptografia. Das senhas dos sites e aplicativos às transferências bancárias,
passando pelo bitcoin e blockchain.
Como cantou Gilberto Gil na presciente música
"Quanta", de 1998: "Sei que a arte é irmã da ciência, ambas
filhas de um Deus fugaz, que faz num momento e no mesmo momento desfaz, esse
vago Deus por trás do mundo, por detrás do detrás, cântico dos cânticos,
quântico dos quânticos".
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito,
pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FSP