Quando se pensa em crianças e adolescentes atualmente,
as notícias nem sempre são boas. Cresceu o número de atendimentos psicológicos,
aumentaram os casos de distúrbios de comportamento e de depressão
infantojuvenil e subiu o nível de desemprego entre os jovens em vários países
do mundo.
Diante dessa realidade,
uma pergunta nos inquieta: como preparar as nossas
crianças para viver em um mundo tão complexo?
Elas precisam desenvolver desde cedo capacidades específicas
como consciência e autocontrole das emoções, resiliência, capacidade de
resolver problemas, organização e paciência. Esses são alguns exemplos das
chamadas habilidades socioemocionais, também conhecidas como competências para
o século 21 ou capacidades não cognitivas. É esse conjunto de habilidades que
realmente conta quando a vida nos desafia, nos machuca e nos presenteia também.
O mundo mudou
profundamente e uma onda de novas possibilidades já chegou. A maneira de aprender e de ensinar está mudando, o nosso
jeito de trabalhar está se transformando e a nossa visão sobre o que é
necessário para lidar com a vida está se atualizando.
Veja 10 formas de
preparar novas gerações para a vida:
1-
Conscientizar adultos e crianças sobre o impacto das emoções em decisões
Infelizmente, os adultos de maneira geral não têm consciência da
importância e do impacto que as emoções têm no cotidiano. Querendo ou não elas
interferem nas nossas decisões e influenciam o nosso futuro. Aprender o b-a-ba
das emoções é como se alfabetizar para a vida.
Conhecer a enorme gama
de diferentes sentimentos, dar nome a eles, controlar as emoções e ser capaz de
perceber os sentimentos das outras pessoas é a base para todas as relações
humanas.
Muitas escolas já trabalham
algumas questões emocionais, mas isso acontece sem um objetivo claro e sem
necessariamente uma integração com situações da vida real. Campanhas sociais,
ações variadas e programas educacionais em escolas públicas e privadas são
maneiras de criar essa consciência nas pessoas. Uma iniciativa de sucesso é o
programa Ruler, da Universidade de Yale, que atua em
várias escolas no Canadá, Austrália, Inglaterra e Estados Unidos.
2- Estimular
o brincar
Você sabia que brincar tem um objetivo? Stuart Brown, psiquiatra
e fundador do National Institute for Play, se dedica há anos
à importância do brincar. Ele estudou o impacto da privação do brincar em criminosos
em série e o papel do brincar em diversas espécies animais. Conclusão: brincar tem
uma função biológica e social de sobrevivência. Os animais predadores brincam
de lutar e de observar um ao outro, capacidades fundamentais na hora da caça.
As crianças brincam para ensaiar habilidades que serão necessárias na vida
adulta. Ao brincar elas exercitam a comunicação e aprendem a diferença entre a
brincadeira amigável e o bullying. Além disso, elas usam o corpo, se arriscam,
resolvem problemas de forma criativa, controlam as emoções e respeitam as
regras do jogo. Essas características desenvolvidas através do brincar são a
semente do comportamento inovador tão importante atualmente. Brincar é o berço
da inovação. Mais do que nunca, estamos carentes de tempo e espaços para
brincar, não só na infância, mas na vida adulta também.
“Brincar desenvolve
nossos músculos e habilidades sociais, fertiliza a atividade cerebral,
aprofunda e regula as nossas emoções, nos faz perder a noção do tempo e
proporciona um estado de equilíbrio.” (Stuart
Brown-American Journal of Play)
3- Educar
para sustentabilidade
Grandes desafios ambientais estão por vir. Por isso, não basta
ensinar as crianças a reciclar o lixo, a economizar água e a cuidar do meio
ambiente. Tudo isso é muito importante, mas é fundamental ajudá-las a formar
uma mentalidade sustentável. Ou seja, uma maneira de ver o mundo em que todas
as decisões e atitudes diárias tenham na sua essência a noção de durabilidade,
de aproveitamento de recursos e de resíduos, de cooperação entre as pessoas, de
senso de comunidade e de transparência nas relações. Conceitos como economia
circular e consumo consciente devem ser ensinados desde cedo nas escolas.
Um ótimo exemplo é a
proposta da Sandal Magna School na Inglaterra. Além de inserir no currículo
escolar as noções de sustentabilidade, a escola oferece também um ambiente
físico todo planejado de forma sustentável. Ela é considerada uma das escolas
com maior eficiência de carbono na Inglaterra e recebeu o prêmio de arquitetura
Riba Awards (The Royal Institute of British Architects, em inglês), um dos mais
rigorosos e conceituados da Inglaterra.
4 - Investir
na primeira infância
Prevenção e intervenção precoce. Essas são as palavras-chave
para evitarmos problemas futuros e formarmos cidadãos saudáveis e capazes de
tomar decisões adequadas para a nossa sociedade. Por exemplo, uma criança que é
diagnosticada precocemente com um transtorno no desenvolvimento pode ser
tratada antes que suas dificuldades se cristalizem. Assim, ela terá muito mais
chance de se tornar um adulto produtivo.
É fundamental a criação
de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de serviços médicos,
psicológicos, educacionais e culturais de qualidade voltados para a primeira
infância. Investimentos nesta fase podem gerar uma reação em cadeia que fomenta
ganhos econômicos e de capital humano durante todo o ciclo de vida.
5 –
Construir cidadania digital
“Cidadania Digital é o uso responsável e apropriado da
tecnologia” (Mike Ribble-autor de
“Raising a Digital Child”).
Cultura digital é um
direito de todos, mas isso envolve responsabilidade. Portanto, as novas
gerações precisam aprender a viver e a trabalhar nessa nova era de maneira
ética e segura. É urgente a criação de programas escolares voltados para o uso
adequado da tecnologia. Crianças e adolescentes precisam ter consciência dos
riscos do universo digital e do impacto das informações publicadas na internet
na vida deles.
Além disso, é importante
que as novas gerações não só saibam utilizar as novas tecnologias, mas também
conheçam a lógica dos computadores. Assim, estaremos formando cidadãos com mais
autonomia digital e controle para criar ferramentas adequadas às necessidades
do nosso mundo.
Está crescendo o número
de iniciativas que incluem o ensino de programação nas escolas para promover a
alfabetização digital.
Entender como funcionam
os computadores transcende a área tecnológica e equipa a compreender o mundo em
que estamos vivendo. Com cautela, é possível introduzir o mundo da programação
através de uma linguagem lúdica e adequada às capacidades cognitivas das
crianças.
O governo da Inglaterra,
por exemplo, decretou que a partir de setembro de 2014 será obrigatório o
ensino de programação em todas as escolas públicas do país para crianças e
adolescentes de 5 a 16 anos.
6 – Repensar
o ambiente físico escolar
Que tipo de ambiente escolar favorece o desenvolvimento das
habilidades para o século 21? Espaços amplos, versáteis e com móveis modulares
estimulam a colaboração e a interação entre os estudantes e professores.
Inovadores educacionais não usam mais a palavra “sala de aula” e sim “ambientes
de aprendizagem” ou “estúdios de aprendizagem”. A mudança na arquitetura das
escolas reflete a transformação do conceito de ensinar e aprender.
A existência de espaços
individuais aconchegantes, chamados “caves”, favorecem a concentração nos
momentos em que o aluno preferir aprender sozinho. O novo ambiente escolar
oferece diversas formas de aprender.
Escolas como o Projeto
Gente, no Rio de Janeiro, e a New Line Learning Academy, na Inglaterra,
incorporaram essas mudanças físicas para atender as novas demandas de
aprendizado.
7- Capacitar
professores
Professores e educadores no mundo todo estão sendo cada vez mais
desafiados. Eles se encontram na linha de frente da educação, tendo de lidar
com um cotidiano escolar difícil, cansativo e pouco valorizado. E agora
precisam ainda se adaptar às novas tecnologias e usá-las de forma sensata e
integrada ao contexto de cada escola.
Mais do que nunca, os
professores necessitam de programas de capacitação para incorporar as novas
práticas no cotidiano escolar.
8 – Informar
os adultos sobre a revolução na educação
Ainda há uma falta de informação significativa por parte dos
adultos sobre a revolução que está acontecendo na educação ao redor do mundo.
Profissionais de diversas áreas, mesmo muito qualificados, muitas vezes nunca
ouviram falar nas mudanças pelas quais os sistemas escolares estão passando.
Essa situação é preocupante, pois são os adultos que vão contribuir para que
essas mudanças se consolidem. Campanhas e ações criativas serão muito bem
vindas para informar os adultos sobre as novidades na área da educação.
9 –
Proporcionar educação financeira aliada às emoções
Muitas pessoas chegam na vida adulta sem nenhum preparo para se
organizar financeiramente. Isto porque faltou um ensino mais estruturado sobre
gestão financeira nos anos escolares. Mais ainda, faltou considerar as emoções
na hora de lidar com dinheiro.
Ensinar uma criança a
planejar seus gastos, a ter metas financeiras, a economizar e a ficar longe de
dívidas é fundamental. Mas junto com tudo isso é necessário ensiná-la também
que sentimentos como empolgação excessiva, ansiedade, preocupação e culpa acompanham
e influenciam diretamente cada decisão ligada ao dinheiro. Aprender a controlar
esses sentimentos previne inúmeros problemas financeiros ao longo da vida.
10 – Criar
programas educacionais com foco nas habilidades sócio emocionais
Muitas escolas já incorporam no seu dia a dia debates sobre
empatia, colaboração e criatividade. Porém, ainda não há um foco no
desenvolvimento das competências para o século 21. Os protagonistas escolares
ainda são as matérias tradicionalmente avaliadas nos testes.
O ensino das habilidades
socioemocionais deve acontecer de forma integrada ao currículo escolar. Ou
seja, os professores podem aproveitar situações do cotidiano para abordar essas
capacidades e ao mesmo tempo ensinar conceitos de física, matemática e
português. O uso de projetos pode ser muito eficiente para integrar diversos
aspectos ao redor de um único tema.
Pesquisas e iniciativas
importantes em alguns países já comprovaram que estas habilidades melhoram o
aprendizado e se tornam tão importantes quanto o conhecimento das matérias
tradicionais.
Os Estados Unidos estão
incluindo programas em larga escala que desenvolvem as capacidades não
cognitivas nas escolas .
Por exemplo, o Institute
for Social and Emotional Learning oferece programas para várias escolas ao
redor do mundo.
É importante ressaltar
que programas como estes precisam nascer a partir das necessidades de alunos e
professores. Portanto, a participação deles na criação de novas formas de
ensinar e de aprender é essencial.
Precisamos de uma
mentalidade aberta para abraçarmos todas estas novidades e possibilidades. E de
uma visão crítica para avaliarmos quais opções nos servem melhor.
Com o tempo toda esta
diversidade de possibilidades de aprender, ensinar e trabalhar serão
incorporadas em nosso dia a dia de forma mais natural.
E acredito que passados
os tempos atuais de mares agitados e de tsunamis sociais, uma nova forma de
navegar na vida trará mais serenidade a todos nós.
Quer entender mais sobre
as competências para o século 21? Veja o infográfico abaixo feito pelo Playground da Inovação, empresa de consultoria
de Inovação em Psicologia e Educação.
Fernanda
Furia - mestre em psicologia de Crianças e
Adolescentes pela University College London e consultora de inovação em
psicologia e educação. Em 2013 criou o blog Playground da Inovação que cresceu
e se tornou uma empresa de consultoria de inovação em psicologia e educação.
Fonte: site controversia