Ano começa com bons ventos para a combalida economia brasileira,
mas existe uma reforma da Previdência a aprovar no meio do caminho.
O ano se inicia com boas notícias para o Brasil. A economia
global parece estar ganhando ritmo e os preços das commodities, muito
importantes para o Brasil, vêm se recuperando. Prevalece nos mercados mundiais
a aposta de que os aspectos potencialmente positivos do governo Trump
prevalecerão sobre os aspectos potencialmente negativos.
No primeiro campo, estão a desregulamentação, um novo impulso
fiscal (via corte de impostos, principalmente) e investimentos em
infraestrutura. No lado negativo, o protecionismo, uma possível guerra
comercial com a China ou conflitos geopolíticos ainda mais sérios. Economistas
influentes e de renome global vêm discutindo as perspectivas de um governo
Trump.
Kenneth Rogoff vê chances muito consideráveis de retomada do
crescimento e da inflação em 2017, o que de certa forma corresponderia à “cura”
definitiva da economia global pós-crise de 2008 e 2009. Rogoff é o principal
expoente da corrente que vê os anos de crescimento fraco e irregular e de
ameaça deflacionária no mundo avançado pós-2009 como longos processos de
desalavancagem são recorrentes depois de estouro de bolhas como o ocorrido em
2008 (nos mercados imobiliário e financeiro), mas que o funcionamento normal da
atividade econômica sempre acaba voltando.
Ele aposta que as políticas expansionistas de Trump podem ser a
gota d’água para o arranque final da economia americana (que já é a mais
avançada no mundo rico na digestão dos efeitos contracionistas da crise), mas
isso não quer dizer que descarte novos problemas mais à frente, exatamente em
decorrência do protecionismo e do descuido fiscal do presidente eleito.
Outro analista otimista no curto prazo é Gavyn Davis, gestor de
recursos e colunista do Financial Times, que aponta o quadro muito favorável
dos “nowcasts”, os indicadores de atividade econômica presente, nos principais
blocos da economia global. Numa postura mais cautelosa, diante dos riscos que
Trump representa para o sistema de comércio global e para a estabilidade
geopolítica do mundo, estão Martin Wolf, também colunista do FT, e Lawrence
Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano, que acha que o mercado está
tranquilo demais em relação ao próximo presidente americano.
Do ponto de vista do Brasil, entretanto, o que importa mais é a
percepção dos mercados, que se traduz imediatamente em melhora de indicadores
relevantes ou mesmo vitais para a atual estratégia de política econômica.
Assim, o dólar se aproxima do nível de R$ 3,2, bastante favorável à gestão do
ciclo de afrouxamento monetário pelo Banco Central; os juros recuaram bem dos
níveis de maior nervosismo após a eleição de Trump, o que é “menos pior” em
termos de sufocar qualquer incipiente retomada; e a bolsa recuperou o nível de
60 mil pontos, o que pode representar um alento mínimo no clima de negócios
para a temporada de de venda de ativos e concessões.
Dois eventos chave, um a curtíssimo prazo e outro no decorrer do
primeiro semestre, devem se mostrar decisivos para a “travessia da pinguela” do
governo Temer. O primeiro é a verdadeira face do governo Trump – e o peso
relativo do “lado bom” e do “lado ruim”, em termos econômicos –, que deve
começar a ficar clara já a partir do discurso de posse em 20 de janeiro e das
primeiras decisões presidenciais.
O segundo, em relação ao qual os cientistas políticos têm grande
dificuldade de fazer prognósticos, é o quão bem-sucedido Temer será em aprovar
a maior parte da sua reforma da Previdência. A situação em que um presidente
extremamente impopular (o que não deve mudar muito até a votação da reforma,
dado o timing previsto da retomada), mas com grande poder e influência sobre o
Congresso, tenta passar a mais difícil das reformas estruturais é inédita, o
que dificulta previsões. É bastante provável que resida nesse fator
imponderável a diferença entre o sucesso e o fracasso da atual estratégia de
política econômica.
Fernando Dantas - jornalista
Fonte: O Estado de S. Paulo