O recorde no volume de ações contra planos de saúde
no Estado de São Paulo está diretamente relacionado ao modelo de gestão
das operadoras. A afirmação é do médico Mário Scheffer, professor do
Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e pesquisador do Observatório
da Judicialização da Saúde Suplementar.
De acordo com recente estudo, o Tribunal de Justiça
(TJSP) julgou 17.114 processos entre janeiro e julho, total 440% superior
ao registrado em 2011, que ficou em 3.895 ações. “A judicialização retrata a
persistência de práticas abusivas das operadoras. As empresas vão
encontrando brechas na legislação e mantêm suas práticas”, diz. Segundo
estimativa da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), os custos
judiciais das operadoras foram de R$1,2 bilhão em 2015, valor que acaba sendo
repassado para as mensalidades dos planos coletivos (empresariais e
por adesão).
José Cechin, diretor executivo da Federação
Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), diz que há “pontos nebulosos”
na legislação, mas acredita que não estão ligados à gestão das operadoras
e podem ser minimizados com a atualização da Lei 9.656/98 e de uma maior
clareza por parte das resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS).
De acordo com o estudo da FMUSP, das quatro mil
decisões em segunda instância, em 2013 e 2014, o TJSP emitiu
sentença favorável aos usuários em 92,4% dos acórdãos, sendo que em 88%
dos casos a queixa foi totalmente acatada. Segundo o advogado Rafael
Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, os magistrados paulistas
estão interpretando as reclamações dos usuários por meio do Código de
Defesa do Consumidor (CDC) em vez de se apoiarem nas resoluções da
ANS. “As resoluções da ANS são omissas ou contrariam o CDC”, afirma.
No Estado de São Paulo, diz o advogado, já há
súmulas do TJSP favoráveis ao usuário nos casos envolvendo a recusa
no tratamento de procedimentos que não estejam incluídos no rol da ANS
(lista dos procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória
pelos planos). Robba cita o exemplo da radioterapia IMRT para tratamento do
câncer de próstata. “O procedimento é aceito pela ANS apenas para cânceres
de pulmão e mediastino, mas a Justiça paulista tem dado ganho de
causa aos usuários”, afirma. Para Cechin, as pendências devem diminuir na
medida em que as instâncias superiores se manifestarem.
“O STJ já se posicionou a respeito da improcedência
dos tratamentos experimentais e da legalidade do reajuste quando da
mudança de faixa etária de 58 anos para 59 anos.” O estudo revelou que os
maiores motivos dos processos foram recusa em cirurgias ou materiais, problemas
com idosos (valor da mensalidade ou manutenção do aposentado em contrato
coletivo), reajustes, internações em UTI e procedimentos de tratamento
oncológico. No caso dos reajustes, muitas queixas se referem à falta de
transparência na apresentação dos números por parte das operadoras nos
planos coletivos, que são apenas comunicados à ANS.
“Os números poderiam ser homologados pela ANS
antes de serem aplicados”, defende Alessandro Acayaba de Toledo,
presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios
(ANAB), posição que é rebatida por Cechin, da Fenasaúde. “Não cabe regulação.
Seria uma interferência do Estado em uma negociação entre a operadora e a
contratante”, afirma.
Recém reempossada no cargo, Simone Sanches Freire,
diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
pretende avançar em propostas para reduzir a judicialização. “Em conjunto
com o STF, queremos estabelecer padrões médicos para os juízes de primeira
instância avaliarem as liminares de urgência. Nem sempre as justificativas
médicas são as corretas.”
Fonte:
Valor Econômico