Durante
muito tempo, cientistas acharam que o grau de girificação (ou seja, de dobras)
no córtex, a camada mais externa do cérebro, teria a ver com a capacidade de
empacotar mais neurônios.”Ou seja, é algo que não depende de modificação
genética. É física pura”, resume a neurocientista Suzana Herculano-Houzel,
professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e colunista da Folha. Ela assina o estudo
junto com o físico Bruno Mota, também da UFRJ.
Com as dobras, a superfície
externa do córtex continuaria co m o mesmo tamanho, mas a superfície total –ou
seja, a área que apareceria se as dobras fossem “endireitadas” e estendidas–
cresce. Resultado: mais capacidade de processamento de dados no córtex sem que
a cabeça da criatura ficasse enorme.
Só que a análise de várias
espécies mostrou que a situação era bem mais bagunçada do que sugeria essa
hipótese inicial. Basta dizer que o cérebro dos elefantes é duas vezes mais
“enrolado” que o dos humanos, mas tem só um terço dos nossos neurônios.
Ao comparar os dados mais
completos sobre o cérebro de dezenas de espécies de mamíferos, a dupla da UFRJ
percebeu que alguns fatores simples poderiam explicar o que estava acontecendo.
Primeiro, bichos de cérebro pequeno tinham córtex liso. Após certo limiar, as
“rugas” apareciam –e o que explicava a maior quantidade delas era a relação
entre a área total do córtex e a espessura dele. Se o córtex era relativamente
fino com área grande, havia mais dobras; já um córtex mais espesso tendia a
ficar menos enrugado.
PRÉ-ESCOLA
Foi então que Mota teve o
insight de ligar esses dados com bolinhas de papel, afirma Suzana. Ele bateu o
olho e notou que o dobramento do córtex e o do papel amassado seguiam a mesma
escala. “Acho que é coisa de físico ter na ‘caixinha’ dele esses dados
guardados”, brinca ela.
“Fui para casa naquele dia
dirigindo e pensando nisso. Depois não saí da mesa até ter uma série de
bolinhas”, conta. De fato, bolinhas feitas com uma única folha sulfite (mais
finas, portanto) tinham mais dobras, enquanto as feitas com várias folhas se
dobravam menos.
O nome técnico da coisa, que
vale para o córtex e para as bolinhas de papel, é superfície autoevitante: os
dois tipos de sistemas se deformam de modo a assumir a configuração mais
estável.
Assim, o mais importante para o
poder de processamento do cérebro humano seria mesmo o número de neurônios, e
não o de dobras. Suzana
Apesar disso, o córtex enrugado
poderia ter vantagens. Com ele, é mais fácil desenvolver a especialização de
funções em áreas cerebrais distintas, e o órgão fica com volume menor,
facilitando a passagem rápida de sinais.
SUFOCO
Apesar da publicação numa das
mais prestigiosas revistas científicas do planeta, a saúde financeira do
laboratório de Suzana Herculano-Houzel não anda das melhores, diz a
neurocientista.
“O financiamento efetivo
acabou. O CNPq [órgão federal] aprovou uma verba de R$ 50 mil para três anos,
mas até agora, oito meses depois, só liberou R$ 6.000. Temos dois projetos
aprovados pela Faperj [órgão estadual], mas nenhum dos dois teve a verba
liberada. E o dinheiro de um prêmio que eu recebi para o laboratório está na
mão da reitoria, correndo o risco de ser bloqueado por falta de orçamento.
Legal, né?”, ironiza ela.
Suzana afirma que os problemas
começaram a partir do final do ano passado e têm sido crescentes. “Às vezes a
gente sente que tem de fazer mágica.”
A assessoria de imprensa do
CNPq declarou à Folha que o restante dos recursos aprovados
para o laboratório viria dos Fundos Setoriais (que captam verbas de empresas
públicas e privadas para financiar áreas estratégicas de pesquisa) e ainda não
foram repassados ao órgão. “O CNPq, entretanto, está envidando todos os
esforços com vistas a receber o repasse.”
A Faperj, por sua vez, informou
que há diversos pedidos de bolsa para alunos da pesquisadora em fase de
“avaliação final” e que dois projetos dela, em parceria com cientistas da
Alemanha e da França, também estão sendo avaliados.
Em comunicado, a reitoria da
UFRJ declarou: “Para liberação dos recursos é necessário que a universidade
tenha receita própria disponível, mas em 2015 ainda não tivemos liberação
completa de nosso orçamento pelo governo federal. No momento, a UFRJ aguarda a
definição de sua cota de limite para usar recursos próprios e fazer a
descentralização dos valores informados pela professora”.
Reinaldo José Lopes – jornalista de ciência com
graduação e doutorado, auto do blog “Darwin e Deus” e do livro “11 Maiores
Mistérios do Universo.
Fonte: site controversia