País pode usar blockchain contra crise de confiança da carne

Operação Carne Fraca, da PF, revelou um esquema de pagamento de propina a fiscais

O escândalo de corrupção envolvendo a carne brasileira é mais um sintoma da crise de confiança que está entre nós. No entanto, dá para fazer do limão uma limonada. Com inteligência, a reação gerada pelo escândalo poderia impulsionar o uso de tecnologia para resolver de vez a questão. E, de quebra, criar condições para que o agronegócio brasileiro migre para um outro patamar de competitividade.

Um caminho para isso é usar a tecnologia chamada blockchain. Ela é uma espécie de "livro de registro" digital. É uma tecnologia barata que permite armazenar informações publicamente, de forma única, imutável e flexível. Em outras palavras, é uma máquina de gerar confiança, elemento cada vez mais em falta não só no Brasil, mas no mundo.

Em 2013 a Inglaterra passou por problemas semelhantes com o escândalo da venda de carne de cavalo misturada com bovina. Como resultado, 30% dos ingleses reduziram o consumo de carne processada e 47% passaram a não confiar mais nas informações constantes das listas de ingredientes afixadas aos alimentos.

A reação foi a produção de um amplo relatório governamental -chamado "Elliot Report"- contendo uma série de medidas para evitar que o problema se repetisse. O documento vale ser lido na íntegra no Brasil. Entre suas recomendações está um controle mais sofisticado da cadeia de produção de carne. Algo nem sempre fácil de ser executado.

É aí que entra a tecnologia do blockchain. Ela permite a criação de um sistema de fiscalização totalmente granular. Em vez de fiscalização por amostragem, torna-se possível identificar a origem de cada peça de carne ao longo de todo o ciclo de produção. Essa informação pode ser checada a todo momento por qualquer pessoa, do produtor ao consumidor. Isso permite criar uma "cadeia de custódia", mostrando exatamente a procedência de cada item.

É possível registrar no blockchain também os selos de fiscalização de cada item, identificando individualmente o fiscal responsável por ele. Ou ainda registrar o DNA do animal abatido, permitindo que os itens derivados se tornem identificáveis. O resultado é o surgimento de um novo padrão de segurança alimentar, tanto para importadores quanto para consumidores.

Essa mesma tecnologia pode ser usada em outros aspectos do agronegócio. Pode controlar e organizar a distribuição de defensivos agrícolas, evitando fraudes e mau uso. Pode também criar novas práticas de certificação para a pecuária e agricultura do país. Vale lembrar que países menos competitivos que o Brasil, como Austrália e Nova Zelândia, vêm conquistando cada vez mais mercado internacional apostando na certificação de seus produtos.

O Brasil pode dar um salto capaz de superar os modelos de certificação desses países. Pode criar um modelo próprio, granular, aberto, auditável e integrado ao blockchain, projetando assim confiança global nos produtos do país. Basta ter a cabeça forte.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.

Fonte: coluna jornal FSP

  
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