John Gray: "Acumulamos conhecimento, mas repetimos erros".




Para o filósofo britânico John Gray, conferencista do Fronteiras do Pensamento da semana passada, tomar como invencíveis os progressos e as conquistas da civilização ocidental é um passo para o desastre. O progresso tecnológico, argumenta, não se traduz inevitavelmente em progresso social. Por telefone, Gray concedeu entrevista ao jornal Zero Hora sobre a política global e a ameaça do terrorismo contemporâneo.

 

O tema do seminário Fronteiras do Pensamento é “Como viver juntos". Há poucos dias, uma sequência de atentados terroristas deixou 65 mortos na Tunísia e no Kuweit. Estamos nos distanciando do projeto de “viver juntos"? Qual é nosso maior obstáculo?
O maior obstáculo hoje é que há alguns movimentos políticos e religiosos poderosos que não estão interessados em “viver juntos".

Estamos, como sociedade, interessados em um modus vivendi: praticar a capacidade de viver juntos mesmo que tenhamos crenças, valores, visões de mundo, religiões e culturas diferentes. É um ideal pacífico e produtivo, mas que esbarra em um grande obstáculo: o fato de que há certos tipos de fundamentalismos no mundo hoje que não têm interesse em conviver com o diferente, com crenças e culturas diversas.

Muitos analistas apontam que a origem do Estado Islâmico pode ser traçada até a invasão americana do Iraque. O senhor concorda com essa avaliação?
Plenamente, porque não há dúvida de que o resultado da invasão americana ao Iraque foi a destruição do Estado iraquiano. O Estado iraquiano sob o governo de Saddam Hussein, embora despótico, era secular. Depois que foi destruído, abriu-se um vácuo que o Estado Islâmico emergiu para ocupar. Eu me opus à invasão. Argumentava já em um artigo de 2002 que o resultado seria que o Estado iraquiano, uma construção artificial criada pelos britânicos e que jamais poderia sobreviver em um sistema democrático, estava fadado a entrar em colapso, o que de fato ocorreu. Outro dos erros cometidos pelos americanos durante a ocupação foi dissolver o exército.

Hoje estamos descobrindo que muitos dos comandantes militares do projeto fundamentalista do Estado Islâmico foram oficiais desempregados do exército e do serviço secreto de Saddam. Não tenho dúvida de que o fenômeno do Estado Islâmico é, em algum grau, subproduto de políticas ocidentais equivocadas, não apenas no Iraque, mas na Síria. Depois de várias tentativas de derrubada do regime de Bashar al-Assad, que é também uma tirania, mas uma tirania predominantemente secular, a política ocidental dos últimos sete anos com certeza prejudicou o regime, mas também teve como resultado o fortalecimento das forças jihadistas, entre elas o Estado Islâmico. Mas é claro que a responsabilidade total não deve recair sobre os erros do Ocidente, porque há outros países que também estão apoiando o Estado Islâmico, como a Arábia Saudita, o Qatar e outros países do Golfo que promovem a sua ideologia. 

 

Em seu novo livro, The Soul of the Marionette, o senhor ataca a ideia cara ao homem moderno de que o conhecimento, especialmente sobre si mesmo, pode conduzi-lo à liberdade. O que nos resta, então, se esse conhecimento e essa liberdade são ilusórios? 
O conhecimento não é ilusório. O conhecimento científico avança continuamente, e hoje sabemos muito mais do que há cinco, 10 anos, 50, cem anos sobre o mundo natural e a biologia. O avanço tecnológico é um fato e está se acelerando de tal modo que, em algumas áreas, se a maioria dos cientistas morresse de uma epidemia, o avanço não seria interrompido, porque muitos registros estão em bibliotecas reais e digitais, e dentro de uma geração a aceleração poderia ser retomada.

O animal humano é o único dentre os que conhecemos que tem essa capacidade de acumular conhecimento em uma escala cada vez mais acelerada. O problema é que ele combina essa capacidade com a incapacidade de aprender as lições de sua própria história. E por isso repete os erros, as tragédias de seu passado.

Esse é o principal problema: as pessoas imaginam que, assim como o aumento de nosso conhecimento científico é cumulativo, assim também seriam os aperfeiçoamentos e avanços que conquistamos como sociedade ou civilização. E eu não acho que isso aconteça.

John Nicholas Gray - escritor e filósofo britânico. Ensinou Filosofia na Universidade de Oxford atualmente ensina Pensamento Europeu na London School of Economics.

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