Partidarismo e o cérebro


Assisti calada à maior parte dos embates que antecederam a votação do impeachment na Câmara. Calada e enojada: o que deveria ter sido um período de discussão sobre as bases legais e as evidências disponíveis para um possível impeachment virou um verdadeiro Flá-Flu onde apenas parecia importar conquistar votos de amigos e desconhecidos no Facebook, ou de deputados na Câmara. Debates ou argumentos jurídicos raramente vinham ao caso; importante mesmo era o que cada um queria e quem gritava mais alto – ou oferecia mais vantagens e promessas.

Meu cérebro de cientista queria ver justiça feita com base em evidências, não partidarismo cego, muito menos tratamento futebolístico de uma questão política e econômica tão importante. Aliás, meu viés profissional de pensamento crítico constante sequer me permite ter partido; pensar com meu próprio cérebro é valioso demais para eu aceitar valores e princípios alheios e afiliar-me a qualquer partido, político ou de outro tipo. Nem time de futebol eu tenho.

Mas entendo o quanto o partidarismo cria paixões e distorce opiniões – e acabo de encontrar um estudo publicado há alguns meses na revista Cerebral Cortex que começa a explicar as bases cerebrais de tanta parcialidade. Jean Decety, da Universidade de Chicago, e seus colegas da Universidade de Queensland compararam como o cérebro de universitários desta e de uma segunda universidade na mesma cidade australiana, a Universidade de Tecnologia de Queensland, reagia quando os voluntários assistiam a vídeos mostrando membros de uma ou outra universidade serem atacados fisicamente por pessoas da universidade amiga ou da rival.

Os resultados são claros: se o atacante é da universidade amiga, vê-lo atacar um colega é apenas tão pouco chocante quanto vê-lo atacar um membro da universidade rival. Assistir a um confederado agredir alguém, amigo ou inimigo, não incomoda muito. Da mesma forma, se o atacante é do grupo rival mas ataca outro rival, o cérebro também não se incomoda; eles que se entendam.

Mas se um rival ataca alguém da universidade amiga do voluntário, o cérebro deste imediatamente protesta, com ativação intensa do córtex da ínsula, que representa emoções negativas como injustiça e desgosto, e do córtex órbitofrontal, que representa valores morais como certo ou errado. A neurociência atesta: ver um correligionário agredido por inimigos é um insulto muito maior do que a agressão em si.

Só resta torcer para o córtex pré-frontal manter a racionalidade no meio de tanta parcialidade... 

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

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