Lei
é como elefante numa loja de cristais no que diz respeito a costumes e afetos.
Não sou simpático à lei da Escola sem Partido. Sou professor há 22
anos. Ela pode virar um belo sistema randômico de censura. Pais de alunos
são imprevisíveis.
Um dia posso estar falando de darwinismo e um pai
evangélico considerar que estou pregando ateísmo. Um dia posso estar dizendo
que a espécie humana reproduziu e sobreviveu porque a maioria dela é
heterossexual e algum aluno filho de um casal gay pode me acusar de
homofobia.
Você duvida? Se sim é porque anda alienado da realidade
ridícula que o mundo está vivendo. As mídias sociais tornaram o ressentimento
uma categoria política de ação. Os ressentidos perderam a vergonha na cara.
Não gosto de leis, não confio em juízes, promotores ou
procuradores.
O Ministério Público com frequência nos considera
cidadãos hipossuficientes e decide processar você por descrever a relação entre
peso e massa na lei da gravidade numa aula —e essa lei não respeitaria as
sensibilidades de pessoas vulneráveis psicologicamente devido ao maior
peso delas.
Minha oposição à lei da Escola sem Partido não é
porque eu não saiba que grande parte dos professores prega marxismo e similares
em sala de aula. Prega sim. E a universidade não é um espaço de debate livre de
ideias. Isso é um fetiche, para não dizer diretamente que é uma mentira
deslavada.
A universidade é um espaço de truculência na gestão, na
sala de aula, nos colegiados, no movimento estudantil.
Lobbies ideológicos ou não dilaceram as universidades
quase as levando à inércia produtiva —principalmente nas “humanas”.
Quem discordar da cartilha de esquerda é “fascista”.
Minha oposição à Escola sem Partido é porque ela é uma lei.
Sei. Ficou confuso? Vou repetir: minha oposição à Escola
sem Partido é porque ela é uma lei. Com ela, aumentaríamos o mercado para
advogados e a justificativa pra mais gasto com o Poder Judiciário.
Quem a defende parece não entender que lei em matéria de
costumes é como um elefante em loja de cristais. Outra área em que lei é como
um elefante em loja de cristais é no
campo dos afetos.
Meu argumento, ao contrário do que podem pensar
inteligentinhos de direita e de esquerda, é profundamente conservador, no
sentido que o conceito tem na filosofia britânica a partir do século 19
—o conceito sem a palavra surge no final do 18 com Edmund Burke (1729-1797), a
palavra surge na França nos primeiros anos do século 19, segundo o historiador
das ideias Russel Kirk (1918-1994).
No sentido filosófico, e não no debate empobrecidos das
militâncias, ser conservador é ser cético em matéria de invenções políticas,
econômicas, sociais ou jurídicas.
Um temperamento conservador, como diria Michael
Oakeshott (1901-1990), filósofo conservador britânico fundamental para o
assunto, desconfia da fúria “racionalista” de se inventar, por exemplo, leis
que interfiram sobre hábitos e costumes (estes, sim, pérolas para um
cético em política).
Aliás, pouco se sabe entre nós sobre o que é, no sentido
erudito e conceitual, ser conservador. Qual a razão de não sabermos? Pergunte
aos professores e coordenadores de escolas e universidades. A bibliografia
escolhida por eles é, na imensa maioria das vezes, uma pregação em
si.
Alunos de escola, de graduação e pós-graduação,
constantemente, são boicotados em sua intenção de conhecer outros títulos que
não seja a cartilha com Marx e seus avatares.
A lei da Escola sem Partido é uma solução ruim para um
problema real. A crítica a ela, sem reconhecer que sua motivação é justificada,
presta um enorme desserviço ao debate.
Com isso não quero dizer que professores marxistas de
história mentindo pura e simplesmente ou restringindo o acesso a múltiplas
“narrativas” (como é chique falar agora) sejam a principal questão
no
Brasil de hoje em dia.
Existem muitas outras, como economia, corrupção,
violência urbana, e outras mais. Mas, a formação educacional ideologicamente
enviesada, por exemplo, faz muita gente “educada” abraçar movimentos
como o Lula Livre, achando lindo.
A
educação piorou muito depois que os professores resolveram pregar em sala de
aula em vez de ensinar rios e capitais dos estados e países. Simples assim.
Mas aumentar o mercado jurídico no país é um engano grave. Já somos presas
demais do crescente lobby jurídico para não ver isso.
Luiz
Felipe Pondé - escritor e ensaísta, autor de
“Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
Fonte:
coluna jornal FSP