O HSBC é um gigante do mercando financeiro mundial, com 254 mil
funcionários em 6.200 escritórios e agências em 129 países, somando mais de 52
milhões de clientes no mundo inteiro.
No
ranking de 2014 da revista inglesa The Banker, o HSBC, com sede em
Londres, aparece como a segunda marca bancária mais valiosa do mundo, no valor
de quase 27 bilhões de dólares.
Um poderio que se manifesta também no Brasil, onde o banco
assumiu as operações do antigo Bamerindus. Com sede em Curitiba, o HSBC opera
em 565 municípios brasileiros com 933 agências, além de quase 500 postos de
atendimento bancários e mais de 5 mil caixas automáticos, com uma carteira de 3
milhões de clientes individuais e outros 320 mil como empresas.
Numa instituição tão grande, um passo em falso se transforma em
desastre.
O
desastre virou um escândalo planetário no início de fevereiro passado, quando o
HSBC virou protagonista, na definição do jornal londrino The Sunday
Times, da “maior evasão de impostos da História”. A notícia tem como fonte
original um especialista em informática do HSBC, o franco-italiano Hervé
Falciani, hoje com 43 anos, que o banco havia transferido de Mônaco para sua
filial suíça em Genebra. Lá, ele descobriu o método criminoso que ele definiu
assim para a revista alemã Der Spiegel: “Bancos como o HSBC criaram
um sistema para enriquecer às expensas da sociedade, através da assistência
para evasão de impostos e lavagem de dinheiro”.
Procurado
pela polícia suíça como “ladrão de dados bancários”, Falciani fugiu para a
França em 2008 carregando uma bagagem explosiva: 600 arquivos com mais de 100
GB (gigabytes) de 60 mil documentos de 2006 e 2007 contendo os dados bancários
de 106 mil clientes abonados de 203 países, operando uma fortuna de 204 bilhões
de dólares através de 20 mil empresas off-shore ancoradas em
paraísos fiscais e numa discreta rede de conexões financeiras internacionais.
Especialistas da Direção Nacional de Investigações Tributárias
da França começaram a decifrar os dados codificados fornecidos por Falciani,
depois compartilhados com autoridades do Reino Unido, Itália, Espanha, Bélgica
e Grécia. Em 2012, Falciani depôs ante um subcomitê de investigação do Senado
dos Estados Unidos, mais preocupado com a eventual ramificação da lavagem de
dinheiro com o terrorismo. A investigação do Congresso só não evoluiu porque,
em julho de 2013, o HSBC aceitou pagar uma multa de 1,9 bilhão de dólares para
não ser levado a juízo nos Estados Unidos pela acusação de lavar dinheiro para
os cartéis latino-americanos das drogas.
Até
que os arquivos explosivos de Falciani chegaram às mãos do mais importante
jornal da França, o Le Monde.
O
Brasil no topo
A
dimensão planetária da denúncia sobre o HSBC era tão massiva que levou o
jornal Le Monde a abrir mão da exclusividade do material de
Falciani e pedir ajuda na investigação ao Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos – ICIJ, na sigla em inglês –, uma rede global de 185
profissionais de investigação espalhados por 65 países. Concluído o trabalho, o
material foi repassado pelo ICIJ a grandes jornalistas de jornais importantes
do mundo inteiro.
E o que isso tudo tem a ver com o Brasil? Tem tudo a ver.
A denúncia contra o HSBC mostrou o Brasil no topo da cadeia
criminosa. Na lista revelada por Falciani, estão 8.667 brasileiros que
respondem por 6.606 contas que movimentaram ou depositaram ali, entre 2006 e
2007, cerca de 7 bilhões de dólares.
Em
número de clientes endinheirados do HSBC, o Brasil ocupa um destacado quarto
lugar, superado apenas pela Suíça (11.235 nomes), França (9.187) e quase
empatado com o Reino Unido (8,844). Em volume de dinheiro depositado, o Brasil
conseguiu sua vaga noTop Ten do ranking: é o nono colocado, acima
de potências de milionários como Arábia Saudita (11º lugar) e de notórios
paraísos fiscais como Ilhas Cayman (15º), Ilhas Virgens Britânicas (17º),
Luxemburgo (24º), Liechtenstein (27º) e Jersey (34º).
Em reais, isso representa uma quantia equivalente a 20 bilhões
de reais, exatamente o que o governo Dilma Rousseff pretende arrecadar com o
pacote de maldades que resume o ajuste fiscal desenhado pelo ortodoxo ministro
da Fazenda, Joaquim Levy.
O conteúdo dos documentos do HSBC ganhou as manchetes e os
espaços da grande imprensa no mundo, sob a grife de “SwissLeaks”.
O Le
Monde, durante dois dias seguidos, dedicou vinte páginas para o assunto. O
escândalo ganhou a primeira página de jornais importantes como o Financial
Times, na Inglaterra, e o The New York Times, nos Estados
Unidos. Hervé Falciani, o pivô da denúncia, ganhou a capa da revista L’Express,
o mais importante semanário francês, como “O homem que faz tremer o planeta”.
No Brasil, estranhamente, o “SwissLeaks” do HSBC mereceu um
estridente silêncio da grande imprensa. Apesar do volume de dinheiro envolvendo
brasileiros, que rivaliza com as falcatruas descobertas pela Operação Lava
Jato, o assunto ficou pendurado em notas modestas, quase envergonhadas,
penduradas em lugares discretos da primeira página ou escondidas nas páginas
internas.
Nota
seca
Apesar
do evidente interesse público de um assunto tão polêmico e bilionário, a pauta
do “SwissLeaks” vaza na imprensa brasileira pelo esforço quase solitário de
blogs e blogueiros desvinculados da grande mídia. Blogs como Megacidadania e O
Cafezinho, sites como Brasil247 e Diário do
Centro do Mundo ou blogueiros como Miguel do Rosário e Luís Nassif
vasculham e revelam dados que não se vê, nem se lê nos grandes veículos de
comunicação.
Na
terça-feira (17/2), o site Jornal GGN, de Nassif, repassou uma
informação de um jornalista de Hong Kong, na China, que conseguiu descobrir os
nomes e endereços de 93 contas da lista do HSBC relacionadas a brasileiros. Uma
ninharia perto dos quase 9 mil brasileiros que fazem parte desta listagem ainda
inédita.
Para
milhões de brasileiros, o Jornal Nacional, da Rede Globo, ainda é a
única, talvez a mais importante fonte de acesso às notícias do país e do mundo.
No sábado (21), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou que o
HSBC entrou em sua alça de mira. Esta decisão mereceu do JN daquela
noite uma nota seca, de apenas três frases e 59 palavras, lidas em 25 segundos
pela apresentadora do telejornal, sem qualquer imagem:
“A Procuradoria Geral
da República abriu investigação para apurar se brasileiros mandaram dinheiro ilegalmente
para a Suíça, no caso que ficou conhecido como SwissLeaks. De acordo com a
Associação Internacional de Jornalistas (sic), o banco HSBC teria ajudado
clientes a esconder bilhões de dólares entre 2006 e 2007. Entre os investigados
estão acusados da Operação Lava Jato”.
E
mais não disse, nem mostrou o Jornal Nacional.
Nesse imenso cone de silêncio sobre questão tão grave, é ainda
mais surpreendente que uma lista tão importante seja de conhecimento de um
único jornalista brasileiro, Fernando Rodrigues, do portal UOL. Membro no
Brasil do ICIJ, que espalhou a lista pelo mundo, Rodrigues é um renomado
profissional, vencedor por quatro vezes do mais importante troféu da imprensa
nacional, o Prêmio Esso – um sobre a compra de votos para a emenda da reeleição
inaugurada por Fernando Henrique Cardoso, outro sobre a criação do banco de
dados “Controle Público”, com a declaração de bens de seis mil políticos
brasileiros. O UOL é o portal de maior conteúdo da língua portuguesa no mundo,
com mais de 1.000 canais de notícias e sete milhões de páginas com quase sete
bilhões de acessos a cada mês.
Apesar dessas honrosas credenciais, o jornalista e o portal não
revelam a íntegra da lista com os nomes de brasileiros. Apenas 11 nomes do
HSBC, todos ligados à corrupção na Petrobras investigada pela Lava Jato, foram
apontados. A política editorial que explica esta revelação seletiva foi assim
justificada pelo exclusivo detentor da lista brasileira: “A lista completa
nunca será publicada? Não, pois seria uma invasão de privacidade indevida no
caso de pessoas que podem ter aberto contas no exterior de boa fé, respeitando
a lei e pagando impostos. O ICIJ vai publicar algum dia todas as informações?
Não”, antecipa Rodrigues, frustrando quem imaginava ver luz sobre este breu financeiro.
A
história dos anônimos
O jornalista adianta, sem dar nomes, que há uma minoria de
pessoas conhecidas – empresários, banqueiros, artistas, esportistas,
intelectuais – e garante que a imensa maioria dos brasileiros da lista do HSBC
é “desconhecida do grande público”. Seria gente anônima, portanto.
É bom lembrar que pessoas anônimas também fazem história. No
passado recente, dois anônimos, desconhecidos do grande público, vieram à luz
para mudar o destino e a biografia de pessoas importantes de nossa República.
O motorista Eriberto foi crucial no desfecho das investigações
que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor. O caseiro Francenildo
foi decisivo no caso que culminou com a demissão do ministro da Fazenda,
Antônio Palocci.
O jornalista Fernando Rodrigues avisou na quinta-feira (12/2),
sem esclarecer, que “uma fração mínima de nomes sobre os quais há alguma
suspeita foi mostrada ao governo, de maneira reservada”. No dia seguinte,
sexta, Rodrigues foi um pouco mais claro: ele forneceu em novembro passado, sob
“reserva”, uma amostra de 342 nomes de nomes de brasileiros do HSBC ao Conselho
de Atividades Financeiras (COAF), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O
COAF respondeu que apenas 15 daqueles nomes indicavam possível atividade criminosa,
como corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.
O país continua sem saber quem são os 15 nomes suspeitos, ou os
342 da amostra, ou os 8.667 nomes da lista brasileira integral.
Este caso do HSBC é importante demais para ficar restrito à
decisão pessoal, privativa, seletiva, monocrática de um único jornalista, de um
só blog, de apenas um veículo poderoso da internet.
O dinheiro sonegado e subtraído ao Brasil e aos brasileiros não
pode ser envolvido pelo segredo, pelo sigilo, pela impunidade que todos
combatemos.
Em 2010, os super-ricos brasileiros somavam cerca de US$ 520
bilhões em paraísos fiscais, segundo um estudo feito por James Henry,
ex-economista-chefe da Consultoria McKinsey, e encomendado pela Tax Justice
Network. O estudo cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do FMI,
do Banco Mundial e de governos nacionais.
A taxa de sonegação nacional, segundo o Sindicato Nacional dos
Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), atingiu R$ 415 bilhões em 2013,
cerca de 10% do PIB brasileiro, a soma de todas as riquezas produzidas pelos
brasileiros honestos.
Nada
disso foi publicado nos nossos grandes veículos da mídia. Saiu num pequeno blog
de nome sugestivo – Limpinho & Cheirosinho – e com um
slogan veemente: “A gente resiste, insiste e não desiste”.
Quero ser leal a este lema inspirador: não vou desistir e vou
insistir na revelação integral dos nomes desses 8 mil brasileiros, justa ou
injustamente envolvidos com a denúncia sobre a maior evasão de impostos da
História.
Estou requerendo às autoridades do meu País as informações que
todos nós, brasileiros, merecemos e ainda não recebemos.
Ao Ministério da Fazenda, a quem está subordinada a Receita
Federal, e ao Ministério da Justiça, a quem se reporta a Polícia Federal, estou
solicitando informações sobre os nomes e as condutas ilícitas supostamente
imputadas aos brasileiros do HSBC.
Queremos saber quais as providências e medidas tomadas no âmbito
do Governo Federal para dar ao País a satisfação que exige a opinião pública
brasileira.
O
dever dos jornais
Mas, quero ir além destes requerimentos. Na condição de Senador
da República e de cidadão brasileiro, quero fazer um apelo público aos
jornalistas e aos empresários de comunicação, para que se unam a nós em defesa
da livre expressão e da absoluta transparência num caso de repercussão
internacional que, para os brasileiros, ainda aparece nebuloso, pouco informado
e nada claro.
Conclamo aqui os jornalistas e os empresários da mídia, patrões
e empregados – reunidos em torno da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas)
e da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), da ABI (Associação Brasileira de
Imprensa) e ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que defendem
juntos a livre informação e combatem qualquer tipo de censura –, para que
juntem seus esforços e emprestem seu prestígio para quebrar este cone de
silêncio que paira sobre a lista de brasileiros passiveis de investigação nos
arquivos do HSBC.
É um apelo que estendo ao jornalista Fernando Rodrigues, ao
portal UOL e ao ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos),
na pessoa de seu diretor-geral, Gerard Ryle, a quem estarei me dirigindo
formalmente, via internet.
É
oportuno, aqui, repetir as palavras candentes de um dos mais importantes
jornalistas britânico, Peter Oborne, o veterano comentarista-chefe de política
do jornal conservadorDaily Telegraph, que se demitiu publicamente de seu
posto na semana passada, esclarecendo logo na primeira frase: “A cobertura do
HSBC no Telegraph é fraudulenta com seus leitores”. As
palavras a seguir de Peter Oborne devem servir de inspiração para todos nós,
políticos e jornalistas, que acreditamos na livre expressão e na transparência
como primados de uma sociedade democrática:
Ensina Oborne:
“Uma imprensa livre é
essencial para uma democracia saudável. Há um propósito no jornalismo, é não é
só entreter. Não deve ceder ao poder político, grandes corporações e homens
ricos. Os jornais têm o que no final das contas é um dever constitucional de
dizer a seus leitores a verdade”.
Que assim seja!
Randolfe Rodrigues - historiador e senador pelo
PSOL do Amapá
Fonte: site Observatório da Imprensa