Ando cansada do Facebook –ou,
mais exatamente, das demonstrações de intolerância pelos meus
"amigos" em resposta ao mais recente atentado terrorista no mundo
ocidental, motivado por... intolerância. Depois dos radicais islâmicos matando
a esmo, agora são judeus pedindo a cabeça de muçulmanos, cristãos exigindo
contrição de muçulmanos-não-terroristas. Acho curioso: ateus recebem
desconfiança generalizada pelo simples fato de não acreditarem em um Deus, mas
quem vejo disseminar o ódio generalizado são aqueles cujas religiões pregam
compaixão e tolerância. Ou será essa suspeita também intolerância enviesada de
minha parte, eu que sou ateia declarada?
Ainda
bem existe a ciência, com observações sistemáticas e controladas, para nos
livrar de um mundo de "achismo". Um estudo recém publicado na revista
"Current Biology" comparou o comportamento altruísta e as tendências
punitivas de crianças de 5 a 12 anos, cristãs, muçulmanas ou não religiosas,
nos EUA, Canadá, Qatar, Jordânia, Turquia, África do Sul e China.
No estudo, os pais religiosos avaliaram seus filhos como ainda mais empáticos
do que pais não religiosos julgaram serem os deles. Mas não foi isso o que o
comportamento das crianças mostrou.
No
primeiro teste, as crianças tinham a oportunidade de doar a um colega de
escola, em segredo, alguns dos 10 adesivos que haviam acabado de ganhar dos
pesquisadores. Crianças criadas em famílias muçulmanas ou cristãs doaram em
média três de seus dez adesivos; crianças de famílias não religiosas, quatro.
Também
foram as crianças não religiosas as mais benevolentes com estranhos que elas
viam agredir terceiros em vídeos: seu julgamento do agressor era menos negativo
do que o de crianças muçulmanas ou cristãs, e a punição que crianças não
religiosas achavam justa era mais branda do que a advogada pelas crianças
muçulmanas.
Conclusão:
o cérebro humano é intrinsecamente capaz de boas ações. Não é preciso ser
religioso para ser uma criança altruísta, piedosa, ou para entender direitos
humanos. Deixar a religião de fora de questões morais não reduziria a bondade
humana -muito pelo contrário. Ao ser perguntada sobre o que o intolerante-mor
Donald Trump deveria ler para entender melhor o Islã, a também norte-americana
(e muçulmana) Dalia Mogahed respondeu bem: "Não quero que ele entenda o
Islã. Quero que ele entenda a Constituição".
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com