Faz sentido cantar o hino, mas não tenhamos a ilusão de que isso promoverá o civismo necessário
Na comemoração do centenário do armistício que encerrou a Primeira Guerra Mundial, em novembro de 2018, Emmanuel Macron estabeleceu, em seu discurso oficial, uma distinção entre nacionalismo e patriotismo.
Os nacionalismos europeus surgiram em oposição a outros povos, e a identidade nacional surgia assim, como contrária aos outros, enquanto na acepção adotada pelo presidente francês patriotismo aparecia como o amor ao seu país, com sua trajetória histórica, sua cultura, seus desafios e seus símbolos.
, numa concepção não xenófoba ou preconceituosa e mais compatível com o século 21. Fernando Reimers, professor da Escola de Educação de Harvard, relaciona o civismo hoje com uma visão contemporânea de formar cidadãos autônomos e conscientes, participantes ativos da vida de suas comunidades e países, dispostos também a aprender a melhorar o mundo. Em outros termos o civismo envolve uma cidadania simultaneamente local, nacional e global.
Para tanto, junto com alguns de seus alunos de mestrado, preparou um currículo que pudesse ser utilizado em escolas, com atividades que, para além do aprendizado da história, cultura e valores nacionais, pudesse promover, junto às novas gerações, entendimento entre os povos e defesa dos recursos naturais do planeta.
Fernando Reimers, da Escola de Educação de Harvard
É importante conhecer estas concepções, especialmente quando, frente a problemas no clima escolar, o retorno a um passado percebido como glorioso é oferecido como panaceia para todos os males que nos afligem. Bastaria retomar práticas da década de 1960, como aulas de Educação Moral e Cívica, que os jovens passariam a ter uma atitude mais positiva frente ao seu país e os bons modos, na escola ou fora dela, voltariam automaticamente.
Além disso, é bom lembrar que os cursos oferecidos à época eram muito centrados em decorar mantras bastante dissociados da sociedade em que vivemos hoje, neste mundo pós Guerra Fria e de acelerada automação e robotização.
Em nossos tempos, o que vem sendo demandado das novas gerações são competências associadas à capacidade de criar, empreender e resolver problemas colaborativamente. Em outros termos, precisamos de jovens capazes de pensar autonomamente e de cooperar para superar os desafios que o país lhes apresenta.
Neste novo contexto, faz sentido ensinar os alunos a cantar o Hino Nacional Brasileiro e fazê-lo com regularidade? Com certeza, pois trata-se de um símbolo nacional importante. Mas não se tenha a ilusão de que, ao fazê-lo, estaremos promovendo o civismo necessário ao século 21.
Claudia Costin - diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.
Fonte: coluna jornal FSP