Tenho
visto muitas mães trocando ideias a respeito de alguns programas que podem ser
interessantes para os filhos nas férias. O que me chamou a atenção nessas
conversas foi o fato de que a maioria delas não buscava alternativa para deixar
o filho por impedimento de estar com ele. Não: o que essas mães têm procurado
são atividades para as crianças.
Dá
para entender a preocupação dessas mães se pensarmos no estilo de vida que a
maioria de nossas crianças experimenta. Veja só, caro leitor: nunca antes
falamos tanto de autonomia da criança. Na escola, em casa, nos cursos
extracurriculares, todos falam que a criança precisa ganhar autonomia e dizem
privilegiar essa questão. Entretanto, as crianças nunca foram tão controladas e
conduzidas, mesmo em questões que poderiam ser mais livres para elas.
Na
escola, por exemplo, o tempo todo elas são comandadas sobre o que fazer, quando
fazer, como fazer, o quanto fazer, como se comportar etc. Não resta nada às
crianças senão obedecer ou desobedecer; aliás, a segunda alternativa parece
muito mais criativa e atraente, não é?
Como
a criança pode dar os primeiros passos em direção à autonomia se não lhe sobra
tempo e espaço para tanto? Da hora em que entra na escola à hora da saída, tudo
está previamente determinado. E, em geral, sem considerar a criança real que
será submetida a esse esquema. Para a escola, vale o aluno teórico, ou seja,
aquele que é pensado para que o planejamento seja feito, e não o aluno que, de
fato, assiste às aulas.
Em
casa é igual: como os pais foram convencidos de que podem determinar o futuro
dos filhos modificando o presente, enchem os filhos de atividades. Língua
estrangeira, escola de esporte, aula de informática etc. De novo, da hora que
acorda à hora de se recolher, à criança não sobra um único intervalo para que
possa se conhecer, saber do que gosta, inventar, criar. A vida delas tornou-se
100% controlada.
O
pior é que muitos pais creem que podem mudar esse panorama árido da vida dos
filhos permitindo que escolham coisas que, em geral, eles nem têm condições de
escolher.
Dessa
maneira, não é de se estranhar que, durante as férias, elas fiquem sem saber o
que fazer. Por isso elas ficam atrás dos pais --em geral da mãe-- em busca do
que fazer e também é por isso as mães ficam atrás de atividades para elas. Mas
essas atividades serão, de novo, determinadas, e pouco restará a não ser aderir
ou transgredir.
Seria
muito bom se a criança pudesse, desde cedo, aprender a saber quem ela é, de
quais coisas que ela conhece e gosta, quais lhe são indiferentes e de quais ela
não gosta, pelo menos por enquanto. Seria bom ela escolher o que fazer,
inclusive para perceber, após a experiência, que não gostou de dedicar seu
tempo àquilo. É assim que se aprende a fazer melhores escolhas.
Seria
bom também se elas não fossem tão controladas: que pudessem brincar do seu
jeito ou que pudessem aprender a brincar; que pudessem escolher o que fazer,
mesmo que isso exigisse delas muito esforço. Elas teriam muito prazer com a
chegada das férias dessa maneira. Hoje, elas têm prazer porque não precisam ir
à escola nesse período, o que é bem diferente.
Sempre
que ouço alguém dizer que as crianças de hoje não têm limites --ainda há quem
diga isso-- penso imediatamente que elas têm limites em demasia. Por isso,
muitos se comportam de maneira descuidada, ruidosa e destrambelhada: parece que
esse é o único espaço que lhes restou sem que o adulto consiga controlar.
Rosely Sayão –
psicóloga, consultora em educação, autora do livro “Família: modos de usar”,
colunista do jornal Folha de São Paulo
Fonte: caderno equilíbrio do jornal Folha de São Paulo.